quinta-feira, 24 de março de 2011

Março

Reluto
há tão pouco, desato.
Há orvalho sobre a mesa
- sutíl, recorda fantasia.
Incômoda, é toda transição.
Nem sei há quanto você não me toca;
não recordo seus olhos - chove tanto.
Sinto.
Como se houvesse perdido poesia.
São Paulo tem tantas gradações - cinzas.
Já não sei da última vez em que senti medo do escuro.
Já não sei se indiferença me vale.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Carnaval

A gente se perde
em meio à tanta face
fascinado.
E se apaixona
na garoa
a noite inteira;
amar é tão simples.
A gente se embaraça
na praça
em frente à igreja,
tudo é calor
tudo tem sabor:
Rio de Janeiro.

Minas Gerais

Morro
Pinguela
verde claro
verde palha
verde escuro
verdeamarelo
Verde
vida
riacho vermelho.
Olho pela janela
a fumaça sai da fábrica
e desenha um filete solitário
no céu acizentado;
A igreja
as casas germinadas
coloridas;
as pessoas falam
como música;
o Sol tímido
e suas muitas raízes
em meio às nuvens negras
Sinto como se pudesse pegar a cidade
com as duas mãos.


São Paulo


Me despeço;
a transição dura três horas
exatas no relógio;
a expectativa
envelhece
reencontro o grande paredão
concreto
cheio de olhos cintilantes
que me engolem
solidão
e não cessam.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Nostalgia

Curioso; alguns instantes não passam, é como se de alguma maneira permanecessemos ali, numa repetição constante que desafia a lógica. Naturalmente, não sou capaz de organizar as imagens com riqueza de detalhes, nem saberia reproduzir o encadeamento de movimentos ou diálogos; o instante é uma releitura cubista pintada de sinestesia. Como se pudesse ser espectador de nós; te flerto toda vez que me confundo recompondo as cenas, e sinto as minúcias, com a exatidão daquele instante, os mesmos calafrios, a mesma vertigem, o mesmo sabor; a incapacidade em dominar oralidade.

terça-feira, 1 de março de 2011

Sobre gavetas

Há sempre o mito de guinada pós-festividades - prática cômoda ao reinício anual cronométrico. A gente fantasia, projeta e, no final, esconde todas as plantas na parte mais alta dos armários. É como quando suas gavetas estão desorganizadas e é preciso gastar muito tempo pela manhã - com visão debilitada e lógica turva - para localizar qualquer objeto; é possível perder inclusive as chaves, e poder culpá-las por estar atrasado; perde-se funcionalidade. E todos os dias você se pune, mas permanece absolutamente estático, observador do que representaria a própria tragédia. Os outros pensam em indiferença, mas você só não é capaz de fazer qualquer movimento em prol da facilitação. A desordem soa tão acolhedora, é como se te curasse de alguma alienação, é como se ela pudesse sobrepor relógios, medos, fuligem, muros de concreto; como se te curasse de toda dúvida, sobre tudo que existe sem porquê.