sábado, 26 de fevereiro de 2011

Ideia fixa

A gente se tortura
com qualquer lembraça;
me pergunto:
ainda estou presa?
nalgum beco
perdida
entre espaço
tempo
amando àquela mulher?

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Abolição

Seja por amor.
Seja por pressa
por ócio
descrença
puro desapego;
Seja
porque é carnaval.
Chove,
e a gente dilúi a ressaca
- que escoa pelo asfalto.
É tanta chuva ácida,
já é possível reorganizar as ideias:
Se não fosse chuva,
não seria tamanha liberdade.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Contraponto

Se o movimento é dado por Amor, como acreditar em ódio? Sinceramente, ódio é uma palavra inventada apenas para satisfazer a dupla dicionarizada: antônimo. Pense tédio; é o pior sentimento que as pombas podem criar, o tédio fere a liberdade, as pombas sentem tédio nos fios elétricos, vão para o chão; e as cabeças pra frente pra trás como vício. O voo baixo, e todos subestimam o movimento de migração dessa classe de aves adaptada ao meio urbano. Talvez as pombas nem mesmo pensem mais em como voar, ciscam o dia todo e andam - a cabeça pra frente pra trás, debilmente - entre o topo das esculturas, alguma janela baixa de sobrado, andam pra frente pra trás, como vício; tédio.
Tédio; pense como construir um muro de tijolos, detalhe a detalhe, empilhado peças de barro ao longo do tempo, formando aquele grande impasse laranja escuro áspero, visceralmente consolidado por uma estrutura lógica e repleta de solidez, a qual dificilmente será capaz de desabar, porque cada peça está estrategicamente sendo posta e colada com massa de concreto. E, num dado momento, você olha para cima e nem acredita que pode ser tão indiferente, porque o muro está alto, mais alto que cinco ou seis vezes o parâmetro do tamanho ego, mas você nem imagina há quanto espaço tem alimentado aquela construção amorfa, em cuja pombas nem pensam mais em sujar o topo; tédio.
Qual será a grande dificuldade do estopim entre ação e inação? Que tipo de inércia se distancia da outra inércia que faz com que alguns corpos amem movimento, enquanto outros permanecem estáticos? Sim, o grande sentimento-tédio ao tédio é a impassibilidade, o grande tédio é o limite inanimado muro, um tédio em forma de pomba, pra frente pra trás, incoerentemente. Tédio, que não transpõe; a imobilidade que de alguma forma contrapõe Amor, mata crença - estático: tédio - mas é tédio e tão tedioso que não contrapõe nada.

Perspectiva

O operário
O estudante
O bolchevique
(dessa vez, não parece haver a figura burocrata)
E a criança
leve e listrada
se estica
pesadamente
cor-de-rosa
por debaixo das cadeiras
como uma grande e preguiçosa lesma
muito mais pesada que as próprias dimensões
do pequeno corpo que esmaga
pegajoso o chão de mármore.
Mas porque é que a gente escolhe sentir repulsa pela imagem-lesma?
E a criança só se movimenta tão bonita e livre, como se desejasse o chão?

O chão parece a ambição mais saudável e segura produzida por essa sociedade.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Lacuna

A sociedade é muito cruel com quem tem urgência para amar.
E onde vão parar todas as canetas, no exato momento em que necessitamos delas? Marcar papéis à tinta soa como leve obsessão; é mais fascinante quando não há linhas, talvez uma pequena porcentagem da população prefira traçar livremente, caracóis amorfos perdidos sobre a fibra, geralmente branca; creio: grande parte das pessoas tem mesmo predileção por formas circulares; como se denotassem harmonia, ou mesmo plenitude.
Qual será o momento em que a plenitude toca o amor, que toca a obsessão, que toca a linearidade na superfície branca grafada à tinta? Parece comum almejar alguma medida, alguma exatidão; quase sempre é cobrada uma resposta, rápida-surpreendente-linearmente-exata, como se você tivesse mesmo que embasar as escolhas através da equação que descreve o movimento de rotação de sólidos; representando - pela lucidez - grande distorção. Comportamento cruel, as coisas não podem acontecer? Pela displicência que justifica que aconteçam? Apreciar o processo de aleatoriedade, a ambiguidade como mágica; como tudo pode ser tanto como não. A decepção pode ser a morte da imaginação, uma opção por não apreciar as formas e como elas saem da caneta, quase como se já tivessem nascido ali, há muito mais tempo do que somos capazes de vê-las. Como se desejassem nudez, a mesma nudez de que acredito que todos deveríamos estar vestidos, ou despidos. O truncamento deve estar no receio em refletir sobre a nova proposta que se põe, o medo do novo, da desestruturação das verdades certas que acompanha a reflexão. E depois de um tempo você já pega o telefone sem nem ao menos se preocupar que número discar, e as canetas servem apenas para que não esqueçamos o quanto são desinteressantes aqueles números gritando nossa mecanicidade. E por que não fugir aos papéis; antes que nossa crueldade linear - e linearidade cruel - nos convença de que somos estéreis?

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Volátil

Mordo essa boca
boca que me morde;
como se fosse ferir
- mas não fere.
Sinto esse hálito
vivo
que aquece;
sangue.
Preciso tocar teu rosto
assim sei
meus dedos dizem:
ainda não sou névoa.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Sobre ausência

É sempre mais difícil pela manhã – a gente acorda, meio fora de eixo – essa transição do universo onírico ao quadrado branco; e os cabelos estão totalmente emaranhados ao pescoço, como se pudessem enforcar. Não adianta, há a ilusão inicial de que cortá-los é a solução, mas não, lidar com a ausência permanece trabalhoso, porque agora você se sufoca com os lençóis, sim, a culpa é dos lençóis... e você nem se recorda mais o porquê cotar os cabelos era tão necessário, mas tenta sentir algum conforto em usar menos xampu, como se algo realmente houvesse mudado, alguma sensação cômoda de praticidade.
Em seguida, você se convence a dormir sem lençóis, mas o que fazer com aquela sensação de pigarro eterno? É preciso abandonar os cigarros; é tão fácil convencer-se de que tudo depende da predileção por um sistema de vida mais saudável. Alguns dias a gente acorda soluçando e acha que pode fingir que não sabe de onde vêm os ruídos, talvez dos vizinhos – e como são barulhentos – os vizinhos; ou foi um pesadelo? A questão toda está na solidão!
Dizem que a solidão enlouquece; a sociedade garante que dialogar consigo é evidência. Sufocamento; porque o embate permanece, vício diário, mas o interlocutor só permite que você se cale, como se te tapasse a boca com as mãos; não há mais nada a dizer. À noite é sempre mais fácil ignorar, a gente gasta tanta energia durante umas quatorze, dezesseis horas nisso - até ter certezas – você já assumiu o quão são cruéis as certezas? Todos os dias tão voláteis; castram a imaginação. Mas vão chegando as horas, e depois das vinte e três horas e cinqüenta e dois minutos – não custam a chegar - dá até medo de dormir. Já perdeste os cabelos, no andar de cima, fazem um silêncio perturbador e os lençóis se tornaram supérfluos...

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Pouco mais; sobre janelas

Impressionante como as cinzas plainam ao cair pela janela do nono andar e como é impreciso imaginar o lugar exato em que elas tocam o chão; já as gotas caem, impossível dimensionar de qual andar, as gotas caem e dispersam, sempre dando a sensação de que já não chegarão ao chão; mas chegam - pequeninas, sempre chegam - e ouço milhares delas, chovendo aos montes. Linda é a liberdade com que tudo cai, seja da janela, seja daquele viaduto, seja da plenitude azul ou dessa mesa; é como uma hipnose, sim, a gravidade é a grande hipnose, sempre devolvendo os corpos ao chão, sempre recordando-os da necessidade por curvar-se ao centro.
Altura; aliás, a altura é um evento deslumbrante, assim como a curiosidade; e a interação entre as duas coisas chega a desestruturar; a desestruturar o medo. O medo da velocidade, o medo do movimento, o medo da altura; é a curiosidade que faz com que as gotas se joguem e esqueçam a consequência de tocar o chão, a mesma curiosidade faz ignorar qualquer preservação instintiva e querer correr cada vez mais velozmente a fim de transpor qualquer matéria. A curiosidade que nos faz mudança; a curiosidade que nos faz sentir vida.
Me pergunto se aquelas cinzas, ou aquelas gotas tremem ao serem lançadas, se de fato elas são dominadas por algum senso de preservação ou se apenas caem; umas levemente, voando metros, talvez quilômetros; outras espatifam, dominadas pela gravidade, desesperadas por encontrar alguma fissura para poder chegar ao miolo terrestre; se sentem medo, sim, o medo, o medo que nos mantêm desse lado da janela, o medo que nos mantêm atrás da mesa, com essa sensação dúbia de conforto, mesma sensação que alimenta esse tédio visceral. Tédio por estar sempre protegido pelas mesmas construções sólidas: as mesmas paredes, a mesma cadeira, e tocar essa mesma boca que projeta todo dia os mesmos medos.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Fevereiro

O cigarro às dez da manhã numa segunda-feira é uma fuga ao final de semana; os excessos, desordem; lembranças distorcidas. Como uma manutenção da quantidade mínima de toxinas vitais, até a chegada da próxima sexta-feira.
Fevereiro é o mês da nostalgia barata, o mundo parece tão mais simples, a gente tem aquela ilusão de dezessete anos; os velhos amigos, o boteco sujo, a conversa que não requer lógica, algum desafabo, muitos vícios e o conforto das risadas que se fundem; aquela voz já bastante conhecida e íntima até as sete da manhã - cada fevereiro um pouco mais rouca - a voz que fará falta o ano todo.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Rotina

A cabeça levita.
Os pés se movimentam
debilmente;
como se pudessem esquecer
o caminho de casa.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Nota

De repente
um sorriso
- flutuante;
pelo asfalto.
No fundo,
toda boca sabe:
o que prometem
os lábios
entreabertos
- que flertam
ingênuo-malicioso.
No fundo,
todas pernas sabem
que o movimento trái
- tal como oralidade;
Toda chuva sabe
que aos corpos dissolve.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Artrópodo

Meu exoesqueleto
de quitina - que proteje;
craquela
de tempos em tempos
expando
- perco a dura carapaça.
Mas logo recomponho,
reconstruo outra
inicialmente
menos espessa,
- em breve,
eficaz invólucro.
Ciclicamente,
até a maturidade.
Eu sei:
minha beleza
verde
confunde;
alguém sempre tenta
me arrancar uma pata;
talvez ciúmes
obsessão,
cruel curiosidade
ou amor desproporcional.
Talvez,
simples estranhamento
- minha totalidade exótica.
Mas a verdade é:
eu vivo;
aos grandes saltos.
Minhas antenas;
- sensíveis
farejam seu medo,
camuflo;
e logo me afasto.