sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Sobre amanhecer

Não entendo porque essa necessidade incessante de dialogar ao amanhecer, parece-me que as pessoas acordam desesperadas por quebrar o jejum do silêncio estabelecido durante as horas de sono. Dizer que tal prática me causa irritabilidade seria extremo, mas prezo o silêncio; quando acordo estou em embate comigo mesma, todos os dias. Porque, todos os dias, é preciso reencontrar minhas crenças, é como se passar muitas horas sobre o domínio elétrico-impulsivo subconsciente dissolvesse a desordem de meus pensamentos, é preciso reorganizá-los, ou mesmo, como se, ao acordar, todas as ideias que rodearam minha massa cinzenta ao longo da noite estivessem prontas para me sufocar, explodem, como um grande cogumelo, sem nem ao menos respeitar os minutos necessários para que me cérebro obtenha merecida oxigenação. É o embate diário, eu e todo o acúmulo.
Então caminho, o movimento nada mais é que ato de desequilíbrio, porque cada metro de asfalto faz com que eu e convença de todas as mentiras com que terei de compactuar, ou mesmo proferir, ao longo de um dia.
E todos os dias, pela manhã, é preciso correr, para sentir a fluidez do músculo. Correr, não de mim, mas do mundo; como num exercício, em que o asfalto friccionado por meus pés é diretamente proporcional à velocidade com que assimilo essas experimentações de cidade, essa falta de fé; tempo, espaço, pessoa.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Vivacidade

Azul

Você ri, e eu sinto um prazer imenso proporcionado pela vertigem da sua risada. Tropeço nalguma hipnose desse turbilhão de lembranças resgatado por esse ritmo desordenado - você criança - ria tão dócilmente, escondendo as maçãs do rosto entre as palmas das mãos, quase como acanhamento.
Lembro você tão menino, lembro do dia em que soube da sua existência, da floricultura na maternidade; a infância, os finais de ano na praia, os domingos em família em que você ligava, com certa ansiedade, perguntando se lhe faria companhia.
Hoje estamos nesse banco, muitas coisas mudaram, é noite de natal; nossas conversas me surpreendem, adimiro sua maturidade; e suas ambições me soam tão saudáveis, assim como a simplicidade das mesmas ambições expressam tamanha lucidez, sinto orgulho.
E eu vejo seus dezessete anos, tão seguros, cheios de planos e convicções; alto, forte, belo, tão homem em formação; e a imagem acústica ainda remete àquele garotinho esguio, cujo olhar deslumbrado era desviado à imensidão azul, seguindo o duvidoso movimento colirido das pipas. Seus olhos, sempre tão expressivos, observadores minuciosos, seus grandes olhos oscilantes: azul ou verde? Não importa, o sensível é que são vastos, persuasivos, assim como sua saborosa gargalhada tendenciosa, furtiva e multifacetada.
Então associei o quão é proporcional o amor que sinto por nosso passado, nossa convivência, o amor que sinto pela intervenção do acaso, esse acidente genético e/ou geográfico que nos fez dividir e construir tanto com tanta naturalidade; assim como o amor que sinto pela liberdade da sua risada, que nada mais representa além de você. Impressionante, como me contamina sua vivacidade.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Caetaneando

Acrilírico
(Caetano Veloso e Rogério Duprat)

Olhar colírico
Lirios plásticos do campo e do contracampo
Telástico cinemascope teu sorriso tudo isso
Tudo ido e lido e lindo e vindo do vivido
Na minha adolescidade
Idade de pedra e paz

Teu sorriso quieto no meu canto

Ainda canto o ido o tido o dito
O dado o consumido
O consumado
Ato
Do amor morto motor da saudade

Diluído na grandicidade
Idade de pedra ainda
canto quieto o que conheço
Quero o que não mereço
O começo
Quero canto de vinda
Divindade do duro totem futuro total
Tal qual quero canto
Por enquanto apenas mino o campo ver-te
Acre e lírico o sorvete
Acrilíco Santo Amargo da Putrificação

sábado, 18 de dezembro de 2010

Sobre interrupções

- Interrupção;
é uma boa palavra.
- Não me agrada a fonética.
Mas,
- a tua voz;
quando me cala
(evoca meus gemidos)
- saio de órbita.
É como mergulhar
num transe
dum flerte;
um flerte
sinestésico:
tua pele
teu cabelo
teus olhos
...
Como num poema
- surrealista.
A sensação:
Efêmero,
com beleza
displicente:
efemeridade;
Você me consome;
Desejo.
A tensão emana
- pulso, impulso;
impetuoso
dos corpos.
Veemente
afável
- sem desespero.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Sobre

Sobre Lívia

Ela;
Sempre equilibrada;
madura,
lacônica
- em sua medida.
E eu, como falava,
descompassadamente;
Como se pudesse temer a cumplicidade,
que o silêncio desnuda.

***

Lívia, sempre observadora,
me fez recordações:
- o silêncio sempre me incomodou,
e muito.

Analogias:
Aprendi - com uma garota de quatorze anos,
que o amor não é uma constante,
que a felicidade - como a tristeza;
não é uma constante;
que o amadurecimento não é linear,
e a linearidade não é humana.
As cobranças e as crenças
talvez não compreendam austeridade,
porque os erros são parte de um processo
que humaniza.
E assumo tamanha presunção,
porque Lívia me sabe,
a ponto de tornar detalhes supérfluos;
O silêncio, o pranto, o riso.
A gente fala,
a gente cala,
chora e ri,
em silêncio,
- alegria e paz.
Intimidade.

(E é sempre complexo externar quem representa tanto,
talvez a grande tolice esteja
- de fato;
nessa pretensão humana em tentar explicar Amor.)


Sobre Felipe

Felipe e as conversas cíclicas,
sempre tão doces,
é a sensação;
- cumplicidade.
Eu falo Cortázar,
ele, Saramago;
ou não;
é como se a gente se interasse
pela liberdade da escolha;
a gente se enjoa, a gente se une,
a gente se divide e se permuta
Não se faz necessária estabilidade;
e ele diz que gosta,
que gosta de mim,
assim:
como sempre gostou.
Eu sorrio daqui.
Ele sorri dalí .
Seus trocadilhos me encantam.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Outra breve reflexão

Sobre a vida

Tudo que existe é vida. Nada que existe é morte.
Se a morte é o evento que conclui a vida, na verdade, o fascínio não está na morte, assim como a impotência - ou mesmo o medo - não estão na morte, porque em si, a morte nem ao menos existe senão como nome, efeito linguístico.
A ideia de morte corrobora a vida que se esvai, gradativamente; portanto, o que temos é sempre vida e, por fim, ausência de vida. Consequentemente, o deslumbramento está em como a vida é fugaz, em como somos perecíveis, em como o momento entre estar e não estar é impreciso, em como a vida é um evento que nos valida de forma tão plena e, concomitantemente, nos é tão impalpável. O grande deslumbramento é a fragilidade, justamente o que torna a vida um espetáculo, dado equilíbrio absurdamente delicado. Um espetáculo afirmado pela beleza dialética do tênue limiar entre transbordar e esvaziar, que - no fundo - são afirmados pela mesma força que nos dá e nos retira movimento, força sobre a qual estamos todos sujeitos, mas não temos domínio, senão estático; arbitrariedades.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Uma breve reflexão

Sobre a morte

A cultura ocidental alimenta um viés muito cruel com relação à morte, nem parece que é a morte a máxima da vida. E, tudo que é orgânico - impreterivelmente - será comtemplado por esse ciclo, dialeticamente. Sendo o carbono de que nos fartamos, devolvido ao mundo com tamanha naturalidade; causa deslumbramento.
Pra quem vai, a completude de um ciclo; pra quem fica, a transição, e um recomeço.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Sobre despedidas

Sobre Pá

Não, as pessoas não morrem, eu sei;
eu sinto,
estou tão empregnada de você,
como concluir que não existe?
Se está absolutamente certo
que te amo tanto
se cada gesto, cada detalhe do seu comportamento
está de alguma forma refletido em mim.
Não, as pessoas não morrem,
definitivamente.
E essa ideia me soa medíocre
- como num limite;
As pessoas estão eternizadas - em mim,
pelo amor que de mim projeto a elas.
Porque meus pensamentos jamais me deixam sozinha;
e eu poderia imaginar sua reação à minha prepotência,
agora mesmo,
naquela mesa de jantar na qual nos sentamos tantas
e repetidas vezes
- ao longo de anos.
Porque sinto que te conheço há tanto;
há mais tempo do que a mim mesma.
Eu sei, faz algum tempo,
não sei ao certo quando,
perdemos o diálogo,
- entretanto,
nesse jogo mudo;
o amor jamais cala.
Sinto paz, aquela mesma paz,
de quando você chegava em casa
- em geral, ao fim da tarde;
e sentava-se àquela mesma mesa
- aquela que vejo hoje, cheia de cadeiras;
e eu corria, sentava-me ao seu colo,
para que você dividisse comigo o seu jantar.
Definitivamente,
o Amor jamais cala, e você continua
- em todas as cadeiras -
nas quais me acomodo para existir;
Confortavelmente.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Sobre poesia

Numa noite de olhos vagos,
com um gesto,
você interrompe minha imersão,
- qualquer tolice acometia
minha mente;
(catarse)
Para me dizer que sou escarlate.
Eu ruborizo ao descobrir que há um poeta no ponto de ônibus.
O verso dos versos fala sobre construções,
construções democráticas.
imagino sociologia...
Num processo tão humano,
- esponaneidade,
reaprendo o sorriso.

Obrigada.

***

Estrela Vermelha


a voz vem
do teu braço em chamas
mas são teus olhos que me
chamam.
tons escarlates,
vejo você destoando
dos mono-tons da noite quente
e me exaspero
e temo ônibus diferente
mas você entra,
escarlate,
e senta bem na minha frente.

(à você, lindo olhar, uns poucos versos)


Elias Nasser 29/11/2010

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Sobre poltronas

Numa quinta-feira comum; um envenenamento verborrágico

Estava lendo sobre a história do carnaval do Rio de Janeiro – um deleite; quando fui tomada pela curiosidade em um diálogo; eles falavam sobre um artigo de jornal – sim, mais uma vez, jornais – o jornalista questionava a questão da moralidade do sujeito em meio às necessidades postas e afloradas através de seu processo de amadurecimento e sobre a impossibilidade em assumir postura estática diante das situações nesse viés construtivo. Mas, ao ouvir secundariamente tal diálogo, o que realmente me despertou - a ponto de me retirar da órbita estabelecida pela rotina, foi ter escutado um nome: Clarice Lispector.
Sim, aparentemente, o comunicador iniciou seu discurso citando uma entrevista de Clarice, em que ela afirma não ter feito concessões. Bom, naturalmente, todos nós fazemos concessões, é o princípio imanente ao convívio social, tendo em vista a instintiva postura do homem como transeunte no mundo, afinal, como ser, sendo estático? Não há locus à inflexibilidade, de forma que a vida é uma constante assimilação de realidades que nos leva ao movimento da reflexão.
Para meu maior espanto, o jornalista toca a moral; em sua linha raciológica, incita a contraposição entre a manutenção da coerência pela linearidade da postura – ética, e a flexibilização do indivíduo que em face do cotidiano, pondera as escolhas e as estabelece - postura que fere o censo moralidade.
Dois pontos me chocaram ainda mais: 1. Todo esse discurso foi desencadeado por conta de uma sensaboria a qual a mídia tem dado atenção, questão a qual não vou ater-me, veja com seus próprios olhos, de antemão, informo que é acerca do autor de uma biografia sobre Clarice, não a li, mas soube que vendeu muito. 2. Agora, um convite a uma reflexão mais profunda e claramente preocupante: nossa sociedade ainda está na velha crise do sujeito que não é capaz de se assumir ou se afirmar em relação ao mundo, amoral é ainda ater-se à dúvida quanto à moralidade.
Chegamos ao ápice da afirmação do indivíduo, o sujeito dono de suas ações, cheio de autoafirmações, capaz de construir e desconstruir com as próprias mãos, e então vemos a grande falha. O ponto é que afirmamos o ego de maneira exacerbada, mas nos traímos, à medida que permanecemos vítimas das instituições, da sociedade como instituição do preconceito, da ordem, da fé, fruto de um concesso quanto ao estabelecimento de padrões de justiça; polarizamos as dualidades, estamos sob o julgamento quanto ao certo e o errado,o bem e o mal, o bom e o mau, quando, obviamente, não há como dimensionar o estreito espaço em que tais acepções se tocam.
Me volto ao indivíduo, não entendo, essa postura resignada me frustra, quando o homem vai passar à ação e deixar se sentir atuante no mundo à perspectiva de ler jornais? Ainda estamos patinando no patamar de não conseguirmos nos enxergar no mundo. O leitor que se ilude com qualquer ideia desgastada; não sou capaz de assumir esse indivíduo que se deslumbra ao descobrir algo que deveria ser inferido, o sujeito-número que é incapaz de dimensionar-se como integrante e responsável por cada milímetro do processo pelo qual evolui a humanidade, incapaz da mesma maneira em refletir sobre sua condição ambivalente, como homem.
Deve ser tudo fruto da minha imaginação ou da minha cruel ingenuidade, e não confundam minha crítica com vileza, quando o sujeito de que falo, é obviamente o letrado, o leitor do jornal, eu, você, o jornalista, o sujeito que acorda e vai até a caixa de correios com avidez, em busca de seu guia, ou o que aguarda apreensivo pelo barulho da motocicleta para poder degustar seu café e iniciar o ritual de passar a geleia no pão.
Então me pergunto: o que está agora, fazendo o intelectual? Passivo, lendo jornais para ter a ilusão de participação no mundo, na esperança de que os papéis lhe deem a fórmula? O ensinem a beber, comer, vestir? Pensar? Estão todos assistindo mais TV, usufruindo mais da tecnologia? Consumindo mais seriados, novelas, revistas, estilos, fé? Buscando desesperadamente uma forma de consumir sua solidão que está perdida no ego? Esse mesmo ego que o trai pelo fato de não permitir a reflexão sobre si, esse ego que legitima a instituição que promoverá a crise do sujeito.
O grande problema deve ser o conforto proporcionado pelas poltronas.
Ao chegar em casa hoje, avistei uma placa que indicava que o elevador estava em manutenção, então pensei: por que não fiz escolhas mais simples? Deveria ter alugado um apartamento no primeiro andar, subir nove andares me cansa.
Se a negação da moralidade está em negar as reflexões, prefiro a perspectiva de manter a fantasia da coerência, não fazendo concessões.
Voltando a Clarice, nunca imaginei que uma declaração tão linda pudesse desencadear tamanha verborragia ignóbil, é tão difícil assim assimilar que ela não cedia pelo simples fato de que era uma literata e não uma comunicadora? Na entrevista, ela apenas respondeu gentil e pacientemente, às indecências a que foi exposta.
Por fim, sinto enjoo, realmente, estômago sensível, talvez eu devesse buscar alguma revista sobre nutrição, dietética e saúde, algum caderno sobre bem-estar no bloco do veículo comunicador diário, para me prevenir quanto ao que devo ingerir, a fim de digerir melhor essas indelicadezas.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A Metrópole

São Paulo - nov/2010

Chove muito;
As faces hepáticas
- em meio a uma cidade cinza.
A propriedade,
a sociedade
privada;

Tudo não passa
de imenso deboche.

A conveniência
- em farta-se de clichês.
Os prédios,
seus muitos andares
- prestígio e luzes de natal.
A fé que desumaniza
o sujeito que se curva;
a regência monolítica,
concreto.
Os jornais que não denunciam
a violência - consensual.
A juventude perdida no trânsito
- do movimento pendular.
O relógio.
O semáforo.
Vermelho;
há matéria orgânica no asfalto,
a desaceleração;
- ruídos, indiferença e caos.
O sujeito mudo;
muitos anúncios,
deslumbramento.
A ordem - consumo;
mecanicidade.
O burocrata
- ideário de justiça,
sujeito positivo;
a população em castas;
casta, castrada.
Há muito lixo pelas ruas;
há muitos homens negados,
- antiestético;
pelas ruas.

A dificuldade em assimilar espaço e tempo.
E a crítica que só corrobora o sujeito desenquadrado.
Chove muito;
e o barulho dos carros... é ensurdecedor.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Sobre diálogos

Um processo polifônico

Deus - assim como o diabo - é essencialmente humano na medida em que é a tensão gerada pelo encadeamento construtivo do processo social; sendo as ações do indivíduo, micro pólo; é essa rede histórica do pacto social.
Uma visão antropocêntrica, talvez imatura, que pende à ingenuidade ao não assumir alguma acepção de acaso, e ignorar o homem como processo existencial recente em vista ao mundo; mas uma forma.
Eu me confundo nesse processo construtivo, se é esférico ou helicoidal? Se são camadas que inflam sob outras a partir de um suposto núcleo, ou se são espirais, formando ciclos que se tocam com tamanha sutileza diacrônica?
Enfim, um foco pela perspectiva do ego; sendo esse, ponto de referência instintivo.
Aparentemente, esse é o indício veemente da nossa maior contradição, e também nosso áporo.
Talvez eu precise beber mais da quântica e astronomia, mas, e se a gente pensar que essa necessidade de assimilação por um deus é sumariamente humana?

domingo, 21 de novembro de 2010

Instruções para promover um embate

Primeiro; escolha
- com todo cuidado imanente ao ato;
Escolher - e caminhe,
caminhe dez passos à frente
(sim, é necessário um número; exato)
vire à direita, lembre-se:
a esquerda é tendenciosa.
Desenrole um assunto banal,
torne a situação constrangedora;
humana
- fale sobre curiosidades, intuições
a curiosidade inerente ao ser
sobre a percepção de tempo,
sobre o como somos perecíveis
e essa necessidade pelo outro?
Sorria - para dar à cena merecida perplexidade.
Procure os olhos, fixe-os,
devie-os - de maneira safa,
repetidas vezes.
E percamos tempo
tentando manter o instante complexo
em que nos equilibramos
- como num jogo;
evitando silêncios.

sábado, 20 de novembro de 2010

Orientações para uma desconstrução

O porque da inconsequência do beijo

É num ato de inclinação,
desequilíbrio - rearranjo de eixos
- pode durar segundos, quiçá minutos.
Criamos um novo centro de gravidade;
mantido num equilíbrio sensível, fugaz
um ponto que foge do eu, e outro do tu
e - por instante - converge exatamente ao nós.
Instante que rompe-se inesperadamente,
como que para não sufocar o indivíduo,
que automaticamente emerge ao ego,
mas repetidas vezes pende,
escapando pela tangente.
Como num ciclo, dada necessidade de movimento
Como num vício, da ansia por experimentar
É como desafiar cada milimetro de fim transposto em pele.
É a negação do limite ao qual a teoria nos faz crer
- de que dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço,
concomitantemente.
Sutilezas.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Sobre degraus

E eu senti aquele medo por dentro
aquele medo que é só meu;
que sobe dos quadris à nuca
e faz contrair os ombros,
ao passo que espremo as pálpebras.
Aquele medo de quem já não tem medo,
porque sabe reconhecer Amor.

Más sobre escaleras

(Cortázar)

Em algum lugar da bibliografia que não quero lembrar foi explicado uma vez que há escadas pra subir e escadas para descer; o que não foi dito na ocasião é que também há escadas para ir para trás.

Os usuários desses úteis artefatos entenderão sem esforço excessivo que qualquer escada vai para trás se a gente sobe de costas, mas o que resta saber nesses casos é o resultado de tão insólito processo. Faça-se teste com qualquer escada externa; superando o primeiro sentimento de incômodo e vertigem, se descobrirá em cada degrau um âmbito que, embora faça parte do âmbito do degrau precedente, ao mesmo tempo o corrige, critica e amplia. Pense-se que pouquíssimo tempo antes, na última vez em que se subiu nessa escada da maneira usual, o mundo de trás era abolido pela própria escada, sua hipnótica sucessão de degraus; mas basta subi-la de costas para que um horizonte a princípio limitado pelo tabique do jardim pule agora até o campinho do Peñaloza, depois abarque o moinho da turca, estoure nos álamos do cemitério e, com um pouco de sorte, chegue até o horizonte de verdade, o da definição que a professorinha da terceira série nos ensinava. E o céu, e as nuvens? Conte-as quando estiver no topo, beba o céu que lhe cai em plena cara por um imenso funil. Quem sabe depois, quando der meia-volta e entrar no andar alto da sua casa, em sua vida doméstica, diária, perceba que também é preciso olhar para muitas coisas dessa forma, que também numa boca, num amor, num romance, é preciso subir para trás. Mas tome cuidado, é fácil tropeçar e cair; há coisas que as obriga a despir-se tanto; obstinadas em seu nível e em sua máscara, vingam-se cruelmente de quem sobe de costas para ver outra coisa, o campinho dos Peñaloza, os álamos do cemitério. Cuidado com essa cadeira; cuidado com essa mulher.


***


En un lugar de la bibliografía del que no quiero acordarme se explicó alguna vez que ay escaleras para subir y escaleras para bajar; lo que no se dijo entonces es que también puede haber escaleras para ir hacia atrás.

Los usuarios de estos útiles artefactos comprenderán sin excesivo esfuerzo que cualquier escalera va hacia atrás si uno la sube de espaldas, pero lo que en estos casos está por verse es el resultado de tan insólito proceso. Hágase la prueba con cualquier escalera exterior; vencido el primer sentimiento de incomodidad e incluso de vértigo, se descubrirá a cada peldaño un nuevo ámbito que si bien forma parte del ámbito del peldaño precedente, al mismo tiempo lo corrige, lo critica y lo ensancha. Piénsese que muy poco antes, la última vez que se había trepado en la forma usual por esa escalera, el mundo de atrás quedaba abolido por la escalera misma, su hipnótica sucesión de peldaños; en cambio bastará subirla de espaldas para que un horizonte limitado al comienzo por la tapia del jardín salte ahora hasta el campito de los Peñaloza, abarque luego el molino de la turca, estalle en los álamos del cementerio, y con un poco de suerte llegue hasta el horizonte de verdad, el de la definición que nos enseñaba la señorita de tercer grado. ¿Y el cielo, y las nubes? Cuéntelas cuando esté en lo más alto, bébase el cielo que le cae en plena cara desde su inmenso embudo. A lo mejor después, cuando gire en redondo y entre en el piso alto de su casa, en su vida doméstica y diaria, comprenderá que también allí había que mirar muchas cosas en esa forma, que también en una boca, un amor, una novela, había que subir hacia atrás. Pero tenga cuidado, es fácil tropezar y caerse; hay cosas que sólo se dejan ver mientras se sube hacia atrás y otras que no quieren, que tienen miedo de ese ascenso que las obliga a desnudarse tanto; obstinadas en su nivel y en su máscara se vengan cruelmente del que sube de espaldas para ver lo otro, el campito de los Peñaloza o los álamos del cementerio. Cuidado con esa silla; cuidado con esa mujer.


(CORTÁZAR, Julio - Más sobre escaleras)

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Sobre passado

18/11/2010

Estive caminhando pela manhã e como em tantos outros dias, me veio à mente a lembrança de Artur.
Não, há tempos não tenho sua presença aleatoriamente a entremear meus pensamentos, mas hoje em meus nove quilômetros de deleite raciológico - entre sorrisos provocados por Baden Powell e risadas por lembranças de uma das tantas noites sujas acompanhadas por Frederico - bom, sem delongas, lembrei Artur porque algo fez sentido.
Há um lugar estrategicamente projetado no parque, em que um Ipê de flores amarelas foi posto exatamente ao lado de um Jacarandá-mimoso de flores roxas - como num beijo, inconsequentemente - há um período no outono em que ambos floram; impressionante como as coisas acontecem da forma como tem de ser, a gravidade leva as flores ao chão e como num mosaico, a força gerada pelo momento em que as cores se tocam é um convite ao delírio.
Lembrei Artur porque - entre tantos outras discussões telefônicas a que nos demos durante dois anos - quis por um período fazer listras roxas e amarelas em uma das quatro paredes do meu antigo quarto e ele me disse que roxo e amarelo simbolizaria morte, a ideia de morte me chocou naquela noite, mais ainda a falta de sensibilidade à que fui exposta, assim como noutra vez, ele negou uma conclusão minha de que há possibilidade em traspor psicodelia através da composição entre apenas duas cores: preto e branco.
A psicodelia, ao meu ver, é um complexo flerte de sugestões e formas, obviamente possibilitada pela interação entre a presença e a ausência, a soma do tudo e a abstração do nada. A psicodelia é como um ato de permissão adotado pelo sujeito. É uma riqueza de ambivalências, quase tal como o luxo da dúvida, o prazer dos detalhes, dado o sabor da pormenorização.
Então - hoje pela manhã, ao lembrar tais casualidades - senti exatamente Caetano "cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é" e sorri, com a mesma naturalidade com que o faço todos os dias, porque sorrir é um ato que começa nos pés, agita cada molécula de água do corpo, aquecendo - e, como numa explosão - eclode na face, ingênua e incontrolavelmente, como luz, a mesma luz de que dependemos para tatear cores.
Com toda sinceridade do mundo, desejei que Artur tenha amadurecido a sinestesia precisa à arte.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Sobre lembranças

Sobre Vovó
(1929 - 2007)

Estive revolvendo algumas coisas velhas depois que vovó faleceu, curiosamente, encontrei uma edição amarelada da Folha de S. Paulo, que data 1968, mais intrigante foi a sensação que tive ao visualizar Carlos¹ - ao lado de uma receita de bolo de chocolate - numa época em que cabia à um jornal instruir uma dona de casa quanto à delicadeza em construir uma sobremesa. Carlos, recordei tão longos diálogos, saborosos e intermináveis - tardes de reflexões mútuas, eu e Carlos.
Deixei-me levar pela vertigem proporcionada pela práxis. 1968, A Rosa do Povo, quantos bolos de chocolate ainda será preciso ingerir ao longo de uma existência? A sensação de existência proporciona uma divagação que aproxima ao caos, as palavras que não cicatrizam, as lembranças que não cicatrizam, os golpes, as crenças, os protestos, a nudez... a perecividade, o medo, as dúvidas, a moral, a política, a sociedade tão cheia de valores, frases feitas, máximas, verdades absolutas... as contradições... os analgésicos, a fragilidade, os ciclos, o conforto e o desconforto dos ciclos... sim, a esperança inerente aos ciclos e nossa impotência quanto à força cíclica dos fatos; tropeço no limiar da desordem, tenho a sensação de que posso retomar a lucidez, mas não, sei que não, não volto.
Sinto que talvez essa seja uma das melhores lembranças que tive de vovó, com todo seu comportamento retrógrado, machista, sempre dizendo que jornais não competem à mulheres. A vi durante anos vaga-vagando pela casa, numa solidão amedrontadora, sentava sempre ao canto direito do grande sofá; guardava muitas coisas velhas e algumas lembranças da infância que lhe davam um tênue olhar de vivacidade. A casa sempre com poucas lâmpadas, quase sempre todas apagadas, os móveis escuros, as transições, pensamentos bruxuleantes. Vovó não se permitia muitos entendimentos, gostava de Vargas, Jânio - comumente populistas - e falava com orgulho de o quanto foi dependente de todos durante a vida e de como desaprendeu tantas coisas à medida dessa dependência. Bordava, sim, bordava durante horas - numa semsaboria como quando você liga a TV para fixar-se em algo - as linhas oferecem tamanha diversidade de cores, mas vovó mantinha o conservadorismo e a ordem. Visitava a Igreja e tentava nos fazer temer ao diabo, num engraçadíssimo paradoxo, sendo preciso crê-lo para então temê-lo... mas, como deve ser, novamente, volto-me a Carlos, impossível não recordar algum famigerado verso do poeta - desta vez, numa das sete, dentre tantas outras possíveis faces:

"Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo."

Vovó nunca viveu 1968, vovó nunca soube cozer bolos.


1 - Consolo na Praia

Vamos, não chores...
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.


O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.


Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis casa, navio, terra.
Mas olhas o mar.


Não fizeste o livro perfeito.
Não leste os melhores livros
nem amaste bastante a música.
Mas tens um cão.


Algumas palavras duras,
em voz baixa te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humor?


A injustiça não se resolve.
A sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido,
Mas virão outros.


Tudo somado, devias
Precipitar-te - de vez - nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme meu filho.



(ANDRADE, Carlos Drummond de; in
A Rosa do Povo)



Perdoem-me os que sentiram pela ausência da receita, mas perdi o jornal.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Sobre madrugadas - 10/11/2010

Instruções para promover o fragmento; um parágrafo sobre ambivalências

Você disse que eu falo demais, arquétipo – e isso me soou tão típico, talvez eu pressentisse uma surpresa. Eu falava sobre o como me impressiona a literatura das fugazes matrizes imagéticas pós advento do cinema. Você me disse que desde sempre apreciou o viés do texto milimetricamente detalhado. Falamos muito sobre a representação do real e concordamos sobre o quão saboroso é caminhar depois de fumar um cigarro monocromático. […] Houve um cúmplice silêncio […] Perguntei o que você pensava, assumo, grande tolice. Discordamos quanto à sensibilidade de alívio. Então confessei uma ideia comum, que me faz lembrar infantilidade.– Sinto, sim, confesso que sinto uma curiosidade imensa em saber o que as pessoas estão pensando – o que, na verdade, possa ser mentira; estive por um ou dois, não mais que segundos, desejando pegar com os olhos as tuas divagações. Você naturalmente me disse que pensar não é o mesmo que sentir. Automaticamente, notei um embate. – A tênue linha entre o pensar e o sentir; penso que racionalizo o que sinto e quando penso, penso que sinto menos. Aqui sentada, entendo que meu comportamento é este: O ato de entender me faz maior observadora do mundo, se destrincho, é como se fosse capaz de ignorar o medo, é preciso confundir sensibilidade e reflexão para perder o pavor que, impreterivelmente, intuo sobre o que desconheço. Superficializo o tato, sobreponho a lógica à tal esmiuçamento, assim apreendo a paz estabelecida pela segurança da compreensão. As imagens da televisão me lembravam Monet – é tudo tão atraentemente monótono – e eu pensava o quão bela foi a inflexão que você efetivou em mim naquele instante. Quis te agradecer, espontânea e prontamente, emocionei-me ao experimentar essa deliciosa sensação de movimento a que você me propôs. Foi similar à dirigir uma cena de sexo projetando toda a efervescência ao focar apenas um rosto. E a música me invadia de maneira violentamente melancólica, aplausos e silêncio - e eu; hesito em me despedir daquela noite.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Cotidiano

Sim, vou me lembrar.
Mais café, mais café, mais café...
Entro no elevador, sinto aquela expectativa de notar-me acompanhada por algum rosto estranho - apenas para desejar-lhe bom dia.
A solidão
Subo a rua, a garoa é incômoda, pago a tarifa, entro no metrô...
Não, não, não há sentido. A garota que estuda administração, o rapaz que busca apreensivamente por informações ao celular, aquele sabor adocicado...
as sapatilhas, sim, as sapatilhas fazem algo como toc toc toc
preto, preto... preto, branco e vermelho...não seria uma combinação?
Ele me olha, notavelmente sente curiosidade.
Mas estamos tão longe...as casas
Sim, as casas, as casas são cheias, de vidas
a transitoriedade me apavora e esses consultórios me causam estranhamento,
como num paradoxo, as instituições se alimentam vulgarmente de vidas.

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Tenho medo
medo, medo, medo de que a habilidade tome algum caráter mecânico.

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Sabão em pó
Esponjas
Cândida
A lista de compras
Me sinto como alguém que espera pelo elevador por mais que dez segundos,
sendo seu destino o primeiro andar.
A janela sempre comunica;
Chove muito, desde o amanhecer.
A casa é quase sempre solitária
louça suja na pia
Coisas por fazer
a lista de mercado...

A cidade tem muitos cheiros
e todos eles me confundem.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Sobre vazios

Em algum momento da vida, não sei captar o qual, é como se as atitudes começassem a se justificar por inércia, como se eu pudesse justificar raciocínios curtos com a falta de tempo.
Não sou dada a dramas, mas parece que em algum momento, perdi - não sei o que, mas perdi, como quando você transpõe o portão, encara a rua e sente um frio que começa nas vias aéreas e chega intensamente ao ventre, uma agonia, como se estivesse nu na porta de casa.
Não, não são as pessoas, nem o tempo, mas parece que perdi a fé, alguma partícula de crença muito íntima, que me dava suposto sentido.
Não são frustrações, não há tempo hábil para projetar vazios, não me dei a esse luxo, é muito mais instintivo viver, naturalmente, sem demais dramas ou extensões.
Mas, perdi, em algum momento perdi, perdi o foco, perdi a fluidez, a coordenação, as idéias, simplesmente, perdi, como se eu pudesse perder a poesia, a cadência, o ritmo, como se esquecesse algum tipo de fórmula, antes inerente à mim, perdi o bom-senso, perdi as construções filosóficas, a linearidade, o conforto.
Ninguém vive de nostalgias, essa cruel obviedade, mas é como se a percepção sensível do mundo solidificasse, e todo pensamento permanecesse inconcluso, quase como sem amor; e concatenar idéias é um ato elétrico, organizado.
A dificuldade em transpor toda ação posta ao redor, não compreendo, é como sair do desequilibrio que proporciona a existência e deixar escapar todo fluido de que nutri, é como não encontrar a órbita.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Da solidão social, em qualquer lugar

Não sei se longe de alienações,
mas pensante.
Como toda criação,
talvez as obviedades não sejam tão inferíveis.
A vida está sempre cheia
de pontos finais
e casualidades,
a espera poderia ser gelada,
mas não, não o faço.


Entre cafés
Entre cigarros
Entre nós
Enquanto nossas pernas
se permutam banalmente,
curiosidades.

***
Sobre a copa


É pelo ecstasy,
estou viva,
entre luzes verdes.
Quem questionaria acerca de maior liberdade?
A noite revolve minhas ideias
é outono, Av. Paulista.


***

Os maiores intelectuais são os de agora,
os que conheço, despretenciosos,
aleatoriamente.
Avesso. Os que bebo, para reinventar as ilusões.
Não, não os que trago pela intervenção óptica da história.
Vista-se, menina!
É preciso sair para observar o mundo...
Da janela do seu quarto está tudo tão distante,
as buzinas indicam impaciência
as sirenes pedem passagem.
E lá embaixo todos têm tanta pressa...

domingo, 28 de fevereiro de 2010

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

F. Gullar

DEFINIÇÃO DA MOÇA

Como definí-la
quando está vestida
se ela me desbunda
como se despida?

Como definí-la
quando está desnuda
se e ela é viagem
como toda nuvem?

Como desnudá-la
quando está vestida
se está mais despida
do que quando nua?

Como possuí-la
quando está desnuda
se ela é toda chuva?
se ela é toda vulva?

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Sobre paredes (2008)

Feliz 2009

A gente cresce
e com o passar dos anos
a esperança por famigerada felicidade...
Bem, os anos simplesmente passam e não passam de contagem.


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Talvez 3,6 litros de tinta branca
sejam suficientes para liquidarmos todas essas frustrações.

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Sê!
Expressa toda sede,
desenha cada letra, com lealdade
tic tac tic tac tic tac
as horas declinam
Foi instante e com o instante
cai o romantismo.
As palavras já pálidas, com tanta
espera,
mergulhadas no pó.
Desfazem-se, desconfiguram-se...
eis idéia morta.

Onde estive, dois anos atrás

Artur

Ele desenha meu sorriso,
todos os dias.

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Porque quando estou com Artur,
não há nada além de seus grandes olhos.
Não sei bem o que dizer,
nenhuma conclusão se faz suficiente.

***

Artur veio, revirou minhas idéias,
atraiu minhas preocupações mais fúteis;
amargou.


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Desvio

Seu sorriso se funde ao meu;
Estremeço.

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Sobre o fim

Deixa-me existir
Deixa-me respirar
Na liberdade
me convém o erro
Meu silêncio é denúncia
de morno desespero
E na angústia
todo amor morre
todo sorriso cala
todo prazer esvai-se.
Toda solidão acaricia
Todo ego regenera-se.

Psicotrópicos

Há tigres em meu quarto,
tigres feitos de névoa.
As faces mescladas surgem gigantescas embaixo da janela e me encaram fixamente
estranham-me e causam temor;
Depois seguem em direção à parede e rompem-se ao meu lado, um após o outro,
numa alegoria de tamanha delicadeza.


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Um estado de torpor, a insônia, meu corpo fervilhava
Minhas mãos trêmulas, as luzes tão rápidas que não posso acompanhá-las,
são como cometas, caindo por todos os lados
e quando fecho os olhos, minhas palpebras relampejam
e eu rio, da minha própria solidão
As paredes estão inquietas, desfazem-se em linhas
Tudo se movimenta com tanta fluidez
para frente, para trás, sincronicamente;
me sinto tão desajeitada
Meus pensamentos não cessam, mas de repente "perhaps perhaps perhaps"
entrecortando alguma idéia a qual não lembraria mais.
E há neblina em todo quarto, e há movimentos por todo apartamento
O breu, "and please don't tell me perhaps perhaps perhaps"
acho graça, observo a janela.

Genial, pra justificar a tietagem...

Capítulo 7 de Rayuela

Julio Cortazar



Toco tu boca, con un dedo toco el borde de tu boca, voy dibujándola como si saliera de mi mano, como si por primera vez tu boca se entreabriera, y me basta cerrar los ojos para deshacerlo todo y recomenzar, hago nacer cada vez la boca que deseo, la boca que mi mano elige y te dibuja en la cara, una boca elegida entre todas, con soberana libertad elegida por mí para dibujarla con mi mano por tu cara, y que por un azar que no busco comprender coincide exactamente con tu boca que sonríe por debajo de la que mi mano te dibuja.

Me miras, de cerca me miras, cada vez más de cerca y entonces jugamos al cíclope, nos miramos cada vez más de cerca y nuestros ojos se agrandan, se acercan entre sí, se superponen y los cíclopes se miran, respirando confundidos, las bocas se encuentran y luchan tibiamente, mordiéndose con los labios, apoyando apenas la lengua en los dientes, jugando en sus recintos donde un aire pesado va y viene con un perfume viejo y un silencio. Entonces mis manos buscan hundirse en tu pelo, acariciar lentamente la profundidad de tu pelo mientras nos besamos como si tuviéramos la boca llena de flores o de peces, de movimientos vivos, de fragancia oscura. Y si nos mordemos el dolor es dulce, y si nos ahogamos en un breve y terrible absorber simultáneo del aliento, esa instantánea muerte es bella. Y hay una sola saliva y un solo sabor a fruta madura, y yo te siento temblar contra mí como una luna en el agua.



O Jogo da Amarelinha - Capítulo 7

Tradução de Fernando de Castro Ferro.

Toco a sua boca, com um dedo toco o contorno da sua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a sua boca se entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e desenha no seu rosto, e que por um acaso que não procuro compreender coincide exatamente com a sua boca, que sorri debaixo daquela que a minha mão desenha em você.

Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam uns dos outros, sobrepõem-se, e os cíclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Quero me dar ao direito do não-pensamento, total ostracismo, nenhuma critica,
fiz-me ideal?
Nego o mau poema que acaba de escorregar por sinapse.
E então? Fecho os olhos!
Estou morta?

Testo as palavras, que me sufocam
eis o mau poema, desde que poema
É preciso reescrever o mundo mesmo se impossível imprimir alguma doçura
A poesia suja, decrépita, depreciativa,
no limbo, na lama, no mofo,
no cinzeiro, pra eu poder contar os restos de meus pulmões
e meus olhos tão cansados de tanta chuva e tantos prédios e tantas neuroses.
E meu cérebro tão cansado de tantas repetições, a televisão,
a conversa dos desconhecidos no metrô,
a casualidade das relações humanas.
A buzinas, as luzes, sou um bicho
cheio de medo, que só sabe esconder-se em meio ao concreto
e sem concreto não me sinto, não me vejo
e sem fuligem, caos, São Paulo, nada sou senão esse reflexo
sou naturalmente violência e ruidos, o ensurdecer.
A dificuldade em ser menos racional
E quero, por ímpeto, gritar
e despir-me, mas sou o entrave
das relações sociais
e sou vergonha comportamental
e temo o juri impiedoso, mesmo que esteja só,
mesmo que ninguém me olhe.
E quando me toco, não mais sinto um corpo
estou aqui sentada e insuportavelmente muda
incapaz de ao menos produzir uma lágrima de lamento pela minha impotência.

Sobre mim

E me dei direito aos vícios
Como que à liberdade
Não apague a luz
Bata a porta,
me deixe só
não vou gritar,
estou ocupada demais,
tropeçando num transe
como numa lágrima,
me afogo,
logo esqueço.
Logo amargo,
porque sou toda âmago,
porque sou toda ego
Confesso,
não sei fugir.

Sobre Cortázar e outros mais

Creio que haja dois tipos de homens, entre alguns outros que ainda não conheci, os que são capazes de construir paredes, sólidas, transitórias, tão ásperas quanto frias, tão dependentes de cor e sensibilidade de outro tipo de homem para conseguirem fazer-se observar com trivialidade;
e eu posso de tocá-las, friamente.
Outros homens são capazes de me transportar a delírios lancinantes
e eu sou tocada pela poesia e sinto um calafrio atrás da nuca, como não sou capaz de explicar
me despojo em sorrisos, como se pudesse doar meu corpo a sensação tal de prazer que transcende a matéria, eclode por cada poro, como se fosse toda hormônio, fragrância, delírio, volúpia
é por esses homens que me perco,
é por esses homens que me apaixono.
Então, sou toda expressão e desejos
é o mundo em que me crio e em que creio liberdade.
Sobre as mazelas do mundo, estamos as observando agora mesmo, ao pisar nessa calçada
ao olhar através dessa janela
É necessário que haja poetas,
que criem, reinvente, imprimam mágica
e façam-me esquecer de que estou entre paredes.

Todo um

Algumas pessoas nos despertam sorrisos incontroláveis,
Outras nos levam a reflexões destrutivas,
Alguns corpos não serão mais que matéria ou uma transa memorável
Decepções dilaceram como se fossem irreversíveis, não o são.
Inexplicável como sempre nos damos a chance de novas frustrações, de repente é como se não houvesse passado,
nada melhor que dar-se ao direito da curiosidade.

De toda sandice, de todo anacronismo, de todo medo do retrocesso nos fazemos como indivíduo essencialmente mimético.
Cordialmente, todo amor é o primeiro e também o último
Ao contrário de todo moralismo veemente, até mentiras são feitas a dois, num implícito, mudo consenso.
Já cansei de citar a perecividade, mas algumas idéias óbvias são demasiadamente sinceras
Estaticamente, o que todos esperam são frases de efeito e construções sólidas, mesmo que não haja sentido.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

A surpresa boa de 2009

Gabo

Nem vermelho, nem explosões
nem se eu descrevesse como buracos negros desmaterializam matéria,
se eu me utilizasse de metáforas não passaria de uma estupidez
Amizade, Amor, não, não é suficientemente compatível
eu sinto Gabo,como um sentimento-Gabo,
"Burn Burn and Burn", quando lemos Kerouac e estamos dividindo vícios numa noite qualquer
Não é suficiente, e não há neologismo ou adjetivo que expresse tal realidade
Gabo é feito de excessos, tanta liberdade que me perco


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Tenho escutado muito Caetano
Tenho acompanhado muito Gabo
Aliás, Gabo,
é como se eu pudesse tocar Liberdade
Fascina-me sua nudez
É o sentimento-Gabo, despido de medos
Ele me faz falta,
mas não como a saudade,
Gabo não pode ser transcrito em dor
A sua ausência me permite lembrança
e penso em Gabo, todos os dias,
penso alegria
Gabo é simples, espontâneao e poético,
como deve ser amor

Transições

Vou inscrever teu nome em minha pele
Abruptamente
como se rompendo o frágil invólucro, ao ver a nudez do músculo,
(esse, agora, vulnerável)
eu fosse capaz de me livrar de alguma contradição

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Fim

Estava sentada em sua cama quando fez-se solidão
Levantou o olhos maliciosos, sorriu levemente
Descalçou os sapatos, que há tanto incomodavam
Levantou-se e pôs-se a caminhar com doçura,
como se ouvisse Caetano.

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E eu, que ainda sou tão presa à papéis
E eu? Que só quero viver de Amor.

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Inútil mesmo é tentar livrar-se de algum passado.
Estranha é essa sensação do vazio depois de uma hiper dosagem de verdades, a questão não é o resquício de amor, que há muito já era morno, mas essa dúvida imensa e tola de que até que ponto algum instante pode ser demoninado como real.
E o que fazer com os últimos dois anos?
Assumir que sempre estive só?
As promessas desde muito foram falsas, mas e as músicas?
Realmente, compartilhamos tudo, inclusive as mentiras, os insólitos desejos, os utópicos planos.

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Eu quero todos os corpos, todos os nomes, todos os rostos, apaixonar-me todos os dias, independente se pela mesma pessoa.
Todas as sensação, cálidas, ofuscantes, que teus olhos me entorpeçam e calem aos meus desejos incandescentes.
E no momento em que você for embora, quererei arrancar minha pele, na tentativa frustrada de sentir a fluidez latejante, cada músculo, como desprezo,
Inutilmente, a fim de livrar-me de algum passado.

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imagem

imagine
idealize
não seja nada
represente tudo
alegoricamente
categoricamente

Sobre pessoas

Mila

Uma vez romântica reprimida
sempre romântica e reprimida.
Amiga de todos os botecos
qualquer filosofia barata entre copos e garrafas
vazios
sinto que nos parecemos tanto
Todos os sorrisos e não há restrições.


Victor

Falar em Victor é cumplicidade
e querer parar por aqui
Não há descrições
As conversas sinceras
A cerveja enlatada no café-da-manhã
Victor e todos os vícios.


Demo

A amizade sem nexo
Tão amigo que chega a doer.


Estela

Entre tequilas, estranhos e gargalhadas
Estela e seus cabelos curtos, sempre coloridos.

Guilherme,

Doce, amável, admirável, inviável...
quando penso em Guilherme,
não sei fugir de clichês.
Não sei falar em amor,
mas sei falar em Guilherme...
seus olhos castanhos, tão verdes,
suas idéias loucas, tão lindas,
seus comentários enigmáticos,
sempre confuso.
Há uma semana, numa cena ímpar,
conheci Guilherme,
boca entreaberta, sorriso espontâneo,
olhar esguio
tão natural, tão delicado
com alguma malícia, me lembra infância.
mas o que diria Willian ao ler tais frases desconexas?
Willian, não sei, mas Guilherme, não diria nada,
apenas me devolveria um sorriso,
encantardor, doce, lindo, louco, difuso e enigmático.


Filipe

E se eu te gostasse mais,
a gente se confundia


Felipe

A companhia na tarde fria
O despertar das confissões,
que não sabemos fazer baixinho
Ele é como ritmo dançante de britpop
Alegria, paz, abraços sinceros
Eu e ele e não me canso de ouví-lo.