segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Avenida Paulista

O pôr do Sol
refletido
em aranha-céus
espelhados
Imperceptível
aos olhos
tão condicionados
às luzes elétricas
Sempre apressados
transitam
confrontam-se
nas calçadas
E tropeçam
nos invisíveis
corpos
Fenômenos alheios
ao plano Cartesiano

São Paulo

Caminho
pelas ruas
Ainda dia
embora
quase sempre
cinza
Cidade
abarrotada
de transeuntes,
imenso deserto.
As pessoas
não têm
cheiro algum
nem medo
nem curiosidade
muito menos
Amor.
Olhos
pesados
no asfalto
Sorriso
encharcado
e peito
exausto
que dói
com tanta indiferença.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Saudade

Sua risada
rompe meu silêncio

Então sorrio
pra calar
qualquer falta
que doa
na alegria
de sua ausência

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Madrugada

Vai menina!
Deixa que as pernas
conduzam
o movimento ébrio
Flutua
é noite
é Lua cheia
Abandona qualquer lembrança
inquieta
Deixa
deixa os vazios
caidos pelo asfalto
enquanto as luzes
contornam rostos
ecoando risada
sensação
que corre
tropeça
não desafina
Vai menina!
segue os loucos
segue os músicos
todos atores
de andar enigmático
Larga esse relógio
que as horas
não há quem te devolva
jamais


sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Mais

Sobre intensidade

Não tem
desculpa
nem
jeito
Só sei
viver assim
A vida
toda
borbulha
Só nuance
de relance
O tempo
sucumbe
o choro
O riso
explode
Recicla
porque
no peito
aberto
corre
desenfreado
sangue
Na alegria
não germina
desafeto



Mais

Sobre quintas-feiras

A Lua
crescente
a gente
consome
em tragos
curtos
Movimento
de nuvem
densa
que corre
como música

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Tempo

Um encadear

Estive pensando em como as gotas caminham - diminuindo ao longo de metros. Em como logo se desfazem na areia. Refazendo-se vapor. E de como o vapor que sobe vai formando - espiral - uma silhueta de Vênus que dança. Vapor; dos pés aos quadris, quadris à cintura, tronco realizado, braços, finalmente desenhando a cabeça. Em como ela gira suavidade. E breve, se desfaz em flores, começando pelas mãos, os veios em que correu sangue tranformam-se, agora percorridos por seiva. Como elas caem liberdade. Tocam o chão - colorem, é a gravidade intervindo nas pétalas - após lento desabrochar. A beleza do suspiro realizado em ciclos.

Observatório

Inclinar a cabeça para trás é uma incômoda tentativa de deslocamento. Após alguns estalos é possível observar as nuvens, cortadas pelos prédios. Como elas correm rapidamente num céu azul discreto. Subo as escadas após um último cigarro, aquela sensação de relaxamento, como se pudesse pender ao desequilíbrio. Observo a janela, apenas como passagem - são exatas quatorze horas; e as palmeiras contemplam ao Sol com sua atividade verde.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Metáfora

Susurro
ao pé
do ouvido:
Permita-se
subverter
todos
significados;
Apropria
inverte
desconstrói
reestrutura
figura
ou linguagem

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Sobre intensidade

Sinto
Sinto tudo
Sinto
e muito
O sorriso
que explode
o olhar
dilacera
gargalhada
emudece
aos sentidos
exaspera
Sou experimento
de segundo
em segundo
Faço
desfaço
não disfarço
torto traço
Sujo tudo
por que passo
de cores
de riso
Enlaço
deixo sempre
pedaço
Não esqueço
um dia
volto
revolvo
envolvo
de novo
passo
traço torto
embaraço
Devolvo
aquele
pedaço
que deixou
em mim

Sobre clichês

Sinto
você
na pele
ecoa
ruído
respiração
Dos fios
de cabelo
sempre
me escapam
os dedos

lembrança

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Transação

corpos
corpos
corpos
tão mais
que só
corpos
transitam
pelo salão
há poucas
luzes
muitos
espelhos
refletem
nenhuma face

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Sobre ego

De tudo
que conheço
sou
fragmento
De todo
fragmento
me componho
todo
A tudo
que me toca
decomponho

terça-feira, 7 de junho de 2011

Feminilidade

Sim
Meu amor
é delicado
Desde que
impaciência
não torne
ausência
Você mente
e fere
minha
inteligência
Eu omito
e transtorno
tua
virilidade
Você não
compreende
ambiguidade
E é
unilateral
teu ideal
de liberdade
O querer
a mim
é
sentimento
leal
O desejo
a ti
arbítrio
infiel
Se
almeja
sincera
paixão
não ceda
à voz
alheia
pressão
Confunde
meu sorriso
dócil
Mas
não sou
boneca
inflável
tão menos
um copo
descartável
Ideal
é igualdade
E se
em teus
olhos
há súplica
por resignação
Ah,
meu Amor
Escolho
solidão.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Sobre leves obsessões

Gosto quando o topo das árvores toca a grande tela azul com suavidade.
Azul me faz sentir plenitude, e a ideia de belo me faz pensar fragilidade.
Belo; que é de azul tênue, cujo avião risca com fúria.
O primeiro instante talvez presuma medo - o ruído que estilhaça - mas agora entendo, é necessário transir.
O mudo transir, que amadurece o silêncio de quem observa, e leva leve obsessão da lembrança.
Muito de mim é construção, muito mudança - o mesmo eu, cujo movimento distancia do centro; expando.
Hoje creio intensidade como medida de percepção do segundo, não mais confundo com quantidade de casualidade ou ação aos quais transponho com ansiedade. Ainda sinto predileção pelo último andar - como segurança contraditória de observador - é possível olhar seguro, assim como a imersão no objeto de desejo através dessa ilusão de segurança pode propor desequilíbrio e queda.
Adoro o movimento a que me propõe as escadas, diferentemente das rampas, cada degrau é a quebra de um paradigma, gosto de subir e descer; paradigmas acima e abaixo, correndo.
E mantenho a mesma aversão às borrachas, pela simplicidade modesta em conviver com passado.
Os olhos sempre curiosos, como quando criança, sempre apaixonados, se quedam pela liberdade do discurso. Essa necessidade em me fazer entender, à qual dedico longas descrições.
E por que crer? Senão amar?

Detalhe

Tenho sentido muito afeto - em coisas poucas - o sorriso da atendente do supermercado após qualquer breve diálogo ou um desejo de bom dia me faz sorrir. O deslizar macio do grafite que o papel desgasta, aquele samba triste do Amor inconcluso - samba que me faz refletir sobre o mecanismo do bom boêmio, que logo apreende a necessidade da forma em desculpar-se.
A preciosa alegria que transcende o olhar no abraço daquele bom amigo, soa como cumplicidade equilibrada que se faz azul e vermelho. Tenho observado, e observar me faz afeto.
Afeto nos desenhos que o tempo traça impiedoso nas mãos da senhora. Afeto sobre a percepção de tempo; tenho dedicado tempo aos desconhecidos, como que me permitido aquela longa conversa com a mulher no banco do shopping - dedicar tempo ao outro me faz humanidade - e nem me incomodam mais tantas luzes, pouco importa.
Em breve confissão, estive há pouco de cair no abismo estéril do silêncio, temi descrença, como se pudesse esquecer Amor; por fim, tenho muito tentado fugir do ego e negado o discurso em primera pessoa.

terça-feira, 17 de maio de 2011

São Paulo

O relógio
lua
luz
flutuante
alto
espelho
num céu
recortado
retângulos
concreto

Plenitude

Sobre dicionários

Pleno;
estar estável
em meio a tanto
desequilíbrio

Sobre quintas-feiras

É flerte.
Há tanta desordem,
puro equilíbrio.
Sinto furtividade
e cores
como se ouvisse jazz.

Sínese

Sobre movimento
e livre expressão;
corpo


As papilas gustativas
dizem:
não há nada mais alucinógeno
que música.
O sistema nervoso
central
indica:
nenhum amargor é tão suave
quanto cerveja.
Os pés
alertam,
nada melhor;
não ter amarras.

Sobre tatuagens

Para inscrever algo perene
em meu corpo
perecível.
Sei;
sou grande contradição!

quarta-feira, 4 de maio de 2011

domingo, 3 de abril de 2011

Alegria

O carnaval que não passa
a maturidade que não chega.
O mundo não requer normalidade.
A gente gira, gira, gira;
não intimidam os olhos.
A gente ri, ri, ri;
nem sente mais o chão.
As notas arredias
na ponta dos dedos.
Vermelho a face
vermelho corpo todo,
tão fixo;
esse sorriso desconstrói.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Março

Reluto
há tão pouco, desato.
Há orvalho sobre a mesa
- sutíl, recorda fantasia.
Incômoda, é toda transição.
Nem sei há quanto você não me toca;
não recordo seus olhos - chove tanto.
Sinto.
Como se houvesse perdido poesia.
São Paulo tem tantas gradações - cinzas.
Já não sei da última vez em que senti medo do escuro.
Já não sei se indiferença me vale.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Carnaval

A gente se perde
em meio à tanta face
fascinado.
E se apaixona
na garoa
a noite inteira;
amar é tão simples.
A gente se embaraça
na praça
em frente à igreja,
tudo é calor
tudo tem sabor:
Rio de Janeiro.

Minas Gerais

Morro
Pinguela
verde claro
verde palha
verde escuro
verdeamarelo
Verde
vida
riacho vermelho.
Olho pela janela
a fumaça sai da fábrica
e desenha um filete solitário
no céu acizentado;
A igreja
as casas germinadas
coloridas;
as pessoas falam
como música;
o Sol tímido
e suas muitas raízes
em meio às nuvens negras
Sinto como se pudesse pegar a cidade
com as duas mãos.


São Paulo


Me despeço;
a transição dura três horas
exatas no relógio;
a expectativa
envelhece
reencontro o grande paredão
concreto
cheio de olhos cintilantes
que me engolem
solidão
e não cessam.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Nostalgia

Curioso; alguns instantes não passam, é como se de alguma maneira permanecessemos ali, numa repetição constante que desafia a lógica. Naturalmente, não sou capaz de organizar as imagens com riqueza de detalhes, nem saberia reproduzir o encadeamento de movimentos ou diálogos; o instante é uma releitura cubista pintada de sinestesia. Como se pudesse ser espectador de nós; te flerto toda vez que me confundo recompondo as cenas, e sinto as minúcias, com a exatidão daquele instante, os mesmos calafrios, a mesma vertigem, o mesmo sabor; a incapacidade em dominar oralidade.

terça-feira, 1 de março de 2011

Sobre gavetas

Há sempre o mito de guinada pós-festividades - prática cômoda ao reinício anual cronométrico. A gente fantasia, projeta e, no final, esconde todas as plantas na parte mais alta dos armários. É como quando suas gavetas estão desorganizadas e é preciso gastar muito tempo pela manhã - com visão debilitada e lógica turva - para localizar qualquer objeto; é possível perder inclusive as chaves, e poder culpá-las por estar atrasado; perde-se funcionalidade. E todos os dias você se pune, mas permanece absolutamente estático, observador do que representaria a própria tragédia. Os outros pensam em indiferença, mas você só não é capaz de fazer qualquer movimento em prol da facilitação. A desordem soa tão acolhedora, é como se te curasse de alguma alienação, é como se ela pudesse sobrepor relógios, medos, fuligem, muros de concreto; como se te curasse de toda dúvida, sobre tudo que existe sem porquê.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Ideia fixa

A gente se tortura
com qualquer lembraça;
me pergunto:
ainda estou presa?
nalgum beco
perdida
entre espaço
tempo
amando àquela mulher?

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Abolição

Seja por amor.
Seja por pressa
por ócio
descrença
puro desapego;
Seja
porque é carnaval.
Chove,
e a gente dilúi a ressaca
- que escoa pelo asfalto.
É tanta chuva ácida,
já é possível reorganizar as ideias:
Se não fosse chuva,
não seria tamanha liberdade.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Contraponto

Se o movimento é dado por Amor, como acreditar em ódio? Sinceramente, ódio é uma palavra inventada apenas para satisfazer a dupla dicionarizada: antônimo. Pense tédio; é o pior sentimento que as pombas podem criar, o tédio fere a liberdade, as pombas sentem tédio nos fios elétricos, vão para o chão; e as cabeças pra frente pra trás como vício. O voo baixo, e todos subestimam o movimento de migração dessa classe de aves adaptada ao meio urbano. Talvez as pombas nem mesmo pensem mais em como voar, ciscam o dia todo e andam - a cabeça pra frente pra trás, debilmente - entre o topo das esculturas, alguma janela baixa de sobrado, andam pra frente pra trás, como vício; tédio.
Tédio; pense como construir um muro de tijolos, detalhe a detalhe, empilhado peças de barro ao longo do tempo, formando aquele grande impasse laranja escuro áspero, visceralmente consolidado por uma estrutura lógica e repleta de solidez, a qual dificilmente será capaz de desabar, porque cada peça está estrategicamente sendo posta e colada com massa de concreto. E, num dado momento, você olha para cima e nem acredita que pode ser tão indiferente, porque o muro está alto, mais alto que cinco ou seis vezes o parâmetro do tamanho ego, mas você nem imagina há quanto espaço tem alimentado aquela construção amorfa, em cuja pombas nem pensam mais em sujar o topo; tédio.
Qual será a grande dificuldade do estopim entre ação e inação? Que tipo de inércia se distancia da outra inércia que faz com que alguns corpos amem movimento, enquanto outros permanecem estáticos? Sim, o grande sentimento-tédio ao tédio é a impassibilidade, o grande tédio é o limite inanimado muro, um tédio em forma de pomba, pra frente pra trás, incoerentemente. Tédio, que não transpõe; a imobilidade que de alguma forma contrapõe Amor, mata crença - estático: tédio - mas é tédio e tão tedioso que não contrapõe nada.

Perspectiva

O operário
O estudante
O bolchevique
(dessa vez, não parece haver a figura burocrata)
E a criança
leve e listrada
se estica
pesadamente
cor-de-rosa
por debaixo das cadeiras
como uma grande e preguiçosa lesma
muito mais pesada que as próprias dimensões
do pequeno corpo que esmaga
pegajoso o chão de mármore.
Mas porque é que a gente escolhe sentir repulsa pela imagem-lesma?
E a criança só se movimenta tão bonita e livre, como se desejasse o chão?

O chão parece a ambição mais saudável e segura produzida por essa sociedade.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Lacuna

A sociedade é muito cruel com quem tem urgência para amar.
E onde vão parar todas as canetas, no exato momento em que necessitamos delas? Marcar papéis à tinta soa como leve obsessão; é mais fascinante quando não há linhas, talvez uma pequena porcentagem da população prefira traçar livremente, caracóis amorfos perdidos sobre a fibra, geralmente branca; creio: grande parte das pessoas tem mesmo predileção por formas circulares; como se denotassem harmonia, ou mesmo plenitude.
Qual será o momento em que a plenitude toca o amor, que toca a obsessão, que toca a linearidade na superfície branca grafada à tinta? Parece comum almejar alguma medida, alguma exatidão; quase sempre é cobrada uma resposta, rápida-surpreendente-linearmente-exata, como se você tivesse mesmo que embasar as escolhas através da equação que descreve o movimento de rotação de sólidos; representando - pela lucidez - grande distorção. Comportamento cruel, as coisas não podem acontecer? Pela displicência que justifica que aconteçam? Apreciar o processo de aleatoriedade, a ambiguidade como mágica; como tudo pode ser tanto como não. A decepção pode ser a morte da imaginação, uma opção por não apreciar as formas e como elas saem da caneta, quase como se já tivessem nascido ali, há muito mais tempo do que somos capazes de vê-las. Como se desejassem nudez, a mesma nudez de que acredito que todos deveríamos estar vestidos, ou despidos. O truncamento deve estar no receio em refletir sobre a nova proposta que se põe, o medo do novo, da desestruturação das verdades certas que acompanha a reflexão. E depois de um tempo você já pega o telefone sem nem ao menos se preocupar que número discar, e as canetas servem apenas para que não esqueçamos o quanto são desinteressantes aqueles números gritando nossa mecanicidade. E por que não fugir aos papéis; antes que nossa crueldade linear - e linearidade cruel - nos convença de que somos estéreis?

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Volátil

Mordo essa boca
boca que me morde;
como se fosse ferir
- mas não fere.
Sinto esse hálito
vivo
que aquece;
sangue.
Preciso tocar teu rosto
assim sei
meus dedos dizem:
ainda não sou névoa.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Sobre ausência

É sempre mais difícil pela manhã – a gente acorda, meio fora de eixo – essa transição do universo onírico ao quadrado branco; e os cabelos estão totalmente emaranhados ao pescoço, como se pudessem enforcar. Não adianta, há a ilusão inicial de que cortá-los é a solução, mas não, lidar com a ausência permanece trabalhoso, porque agora você se sufoca com os lençóis, sim, a culpa é dos lençóis... e você nem se recorda mais o porquê cotar os cabelos era tão necessário, mas tenta sentir algum conforto em usar menos xampu, como se algo realmente houvesse mudado, alguma sensação cômoda de praticidade.
Em seguida, você se convence a dormir sem lençóis, mas o que fazer com aquela sensação de pigarro eterno? É preciso abandonar os cigarros; é tão fácil convencer-se de que tudo depende da predileção por um sistema de vida mais saudável. Alguns dias a gente acorda soluçando e acha que pode fingir que não sabe de onde vêm os ruídos, talvez dos vizinhos – e como são barulhentos – os vizinhos; ou foi um pesadelo? A questão toda está na solidão!
Dizem que a solidão enlouquece; a sociedade garante que dialogar consigo é evidência. Sufocamento; porque o embate permanece, vício diário, mas o interlocutor só permite que você se cale, como se te tapasse a boca com as mãos; não há mais nada a dizer. À noite é sempre mais fácil ignorar, a gente gasta tanta energia durante umas quatorze, dezesseis horas nisso - até ter certezas – você já assumiu o quão são cruéis as certezas? Todos os dias tão voláteis; castram a imaginação. Mas vão chegando as horas, e depois das vinte e três horas e cinqüenta e dois minutos – não custam a chegar - dá até medo de dormir. Já perdeste os cabelos, no andar de cima, fazem um silêncio perturbador e os lençóis se tornaram supérfluos...

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Pouco mais; sobre janelas

Impressionante como as cinzas plainam ao cair pela janela do nono andar e como é impreciso imaginar o lugar exato em que elas tocam o chão; já as gotas caem, impossível dimensionar de qual andar, as gotas caem e dispersam, sempre dando a sensação de que já não chegarão ao chão; mas chegam - pequeninas, sempre chegam - e ouço milhares delas, chovendo aos montes. Linda é a liberdade com que tudo cai, seja da janela, seja daquele viaduto, seja da plenitude azul ou dessa mesa; é como uma hipnose, sim, a gravidade é a grande hipnose, sempre devolvendo os corpos ao chão, sempre recordando-os da necessidade por curvar-se ao centro.
Altura; aliás, a altura é um evento deslumbrante, assim como a curiosidade; e a interação entre as duas coisas chega a desestruturar; a desestruturar o medo. O medo da velocidade, o medo do movimento, o medo da altura; é a curiosidade que faz com que as gotas se joguem e esqueçam a consequência de tocar o chão, a mesma curiosidade faz ignorar qualquer preservação instintiva e querer correr cada vez mais velozmente a fim de transpor qualquer matéria. A curiosidade que nos faz mudança; a curiosidade que nos faz sentir vida.
Me pergunto se aquelas cinzas, ou aquelas gotas tremem ao serem lançadas, se de fato elas são dominadas por algum senso de preservação ou se apenas caem; umas levemente, voando metros, talvez quilômetros; outras espatifam, dominadas pela gravidade, desesperadas por encontrar alguma fissura para poder chegar ao miolo terrestre; se sentem medo, sim, o medo, o medo que nos mantêm desse lado da janela, o medo que nos mantêm atrás da mesa, com essa sensação dúbia de conforto, mesma sensação que alimenta esse tédio visceral. Tédio por estar sempre protegido pelas mesmas construções sólidas: as mesmas paredes, a mesma cadeira, e tocar essa mesma boca que projeta todo dia os mesmos medos.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Fevereiro

O cigarro às dez da manhã numa segunda-feira é uma fuga ao final de semana; os excessos, desordem; lembranças distorcidas. Como uma manutenção da quantidade mínima de toxinas vitais, até a chegada da próxima sexta-feira.
Fevereiro é o mês da nostalgia barata, o mundo parece tão mais simples, a gente tem aquela ilusão de dezessete anos; os velhos amigos, o boteco sujo, a conversa que não requer lógica, algum desafabo, muitos vícios e o conforto das risadas que se fundem; aquela voz já bastante conhecida e íntima até as sete da manhã - cada fevereiro um pouco mais rouca - a voz que fará falta o ano todo.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Rotina

A cabeça levita.
Os pés se movimentam
debilmente;
como se pudessem esquecer
o caminho de casa.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Nota

De repente
um sorriso
- flutuante;
pelo asfalto.
No fundo,
toda boca sabe:
o que prometem
os lábios
entreabertos
- que flertam
ingênuo-malicioso.
No fundo,
todas pernas sabem
que o movimento trái
- tal como oralidade;
Toda chuva sabe
que aos corpos dissolve.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Artrópodo

Meu exoesqueleto
de quitina - que proteje;
craquela
de tempos em tempos
expando
- perco a dura carapaça.
Mas logo recomponho,
reconstruo outra
inicialmente
menos espessa,
- em breve,
eficaz invólucro.
Ciclicamente,
até a maturidade.
Eu sei:
minha beleza
verde
confunde;
alguém sempre tenta
me arrancar uma pata;
talvez ciúmes
obsessão,
cruel curiosidade
ou amor desproporcional.
Talvez,
simples estranhamento
- minha totalidade exótica.
Mas a verdade é:
eu vivo;
aos grandes saltos.
Minhas antenas;
- sensíveis
farejam seu medo,
camuflo;
e logo me afasto.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Samba

Olha como a música sobe, eu vejo cada nota, subindo, uma após outra em perfeita harmonia. Elas eclodem - sincronia contínua - vejo-as nascer em bolhas, saindo dos instrumentos e esbarrando umas outras. Sobem e quebram nessa barreira invisível a que chamamos atmosfera. Espalham-se incandescentes, algumas flutuam, outras caem - como chuva - contaminando todo objeto ou matéria que houver ao redor. Meu corpo alegria, infla dessa batida que me acolhe. Vou explodir vida, felicidade.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Mosaico

Verde vermelho verde
vermelho verdevermelhoverde
verde verdevermelhoverde
O chão de pastilhas, cinquentista.
O despertar dos olhos inchados.
A dúvida das paixões
doe na lata de cerveja;
as conversam ecoam
lembrança.

Transição

Observo o amanhecer
entre colunas de concreto;
rua Augusta.
As cores;
Rajadas de amarelo,
violeta e vermelho
mesclam o monotom impreciso
- azulcinzescuro;
A Lua mingua
minguante,
logo foge.
E de repente:
um céu que flameja.
A rua borbulha
às 6 da manhã;
transito.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

É Verão

Me espalho pela manhã, bem cedo. Busco toda fresta que me permita adentrar - democraticamente. Gosto do hemisfério Sul, permaneço quase o ano inteiro. Invado o quarto da menina, primeiro acaricio os lençóis - irradio quando são brancos, explodo em minha intensidade, sorrindo por todo lado; depois me aproprio de cada milímetro de pele, começando pelas pernas; teço desenhos - enfileirando esferas douradas sobre a cama, até a parede. Deslizo suavemente - aqueço essa nudez, com inocência, como se antes nunca houvesse sido tocada; ilumino a face, a faço despertar do sono leve, sinto sua preguiça dócil que logo me abandona. Tenho dúvida e acanho, retrocedo um pouco minhas reproduções que oscilam pela parede. Envaideço, pois retorno todos os dias e - ao longo de meses - ah, a janela sempre aberta.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Hoje

Desperto - quase nove - depois de longa noite de insônia; interessante como ela sempre se acomoda em minha casa com intrusa intimidade, me fazendo companhia por janeiro. Abro o armário, procuro um livro exato, folhieo - em desordem. Desordem permitida pela mesma desordem que permeia a criação em prosa poética do autor, há muita liberdade nas matrizes imagéticas. Impressionante, é Cortázar - me inunda paixão, as palavras que tomo, me tomam, agora são minhas - havia quase me esquecido de como nossos diálogos exasperam. Acredito; há muito fanatismo no processo criativo; realismo fantástico.

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O esmagamento das gotas

Eu não sei, olhe, é terrível como chove. Chove o tempo todo, lá fora fechado e cinza, aqui contra a sacada com gotões coalhados e duros que fazem plaf e se emagam como bofetadas um atrás do outro, que tédio. Agora aparece a gotinha no alto da esquadria da janela, fica tremelicando contra o céu que esmigalha em mil brilhos apagados, vai crescendo e balouça, já vai cair e não cai, não cai ainda. Está segura com todas as unhas, não quer cair e se vê que ela agarra com os dentes enquanto lhe cresce a barriga, já é uma gotona que pende majestosa e de repente zup, lá vai ela, plaf, desmanchada, nada, uma viscosidade no mármore.
Mas há as que se suicidam e logo se entregam, brotam na esquadria e de lá mesmo se jogam, parece-me ver a vibração do salto, suas perninhas deprendendo-se e o grito que as embriaga nesse nada do cair e aniquilar-se. Tristes gotas, redondas inocentes gotas. Adeus gotas. Adeus.

(CORTÁZAR, Julio; in HIstórias de cronópios e de famas ; p. 85 - 1964; Editora José Olympio - tradução: Gloria Rodríguez)

Anacrônico

A insônia sempre me toma em janeiro;
a perecividade do amor complexo
complexado,
também.
Deve haver alguma relação
direta
entre o verão e o entrave:
assumir o instintivo;
atração e matéria.
É sempre colérico
o sufocamento
- mudez.
Há tanta luz
laranjacromo;
abaixo do Equador
natural é sorrir.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Brasilidade

Chuva suor e cerveja
Janeiro;
É carnaval,
sinto meu corpo todo:
samba
Na vida
todo mundo tem que fazer uma fantasia;
no Brasil
deveria ser carnaval o ano inteiro.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Sobre asfalto

A medida que caminho, é como se meu cérebro assimilasse o mundo, como se ele fosse levado a raciocinar a cada vez que meus pés entram em atrito com esse chão que piso - piso, creio, com certa brutalidade, a brutalidade do despertar matinal; esse asfalto, que definiticamente não é o mesmo de ontem. E a velocidade com que determino as passadas é diretamente proporcional à sensação do alívio de desconcerto, a brisa acaricia, as pernas punem - prazeirozamente.
O asfalto já pisado ontem, íntimo, deixado para trás - tido como passado -, complacente: não é preciso temer ou ansiar pelo desconhecido; a escolha por andar pelo mesmo quilometro demonstra processo construtivo, há familiaridade com aquele chão que confunde, aquele chão que estimula a sensação de estabilidade, mas em verdade, é sempre um pouco mais solidificado na mesma medida em que é modificado - quase imperceptível - rotineiramente.
Tempo e espaço - passado, presente, futuro - cordiais ao sujeito; partamos do princípio de que o passado é o asfalto pressionado, que me impulsiona para o techo seguinte, este, futuro; mas, e o presente? O presente é intocável, o presente é utópico; não existe o asfalto que estou pressionando, simplismente porque passou, e existe apenas o que pressionei, o que acabei de pressionar e o que está além, ávido por ser pressionado; e se permaneço no mesmo perímetro para tentar despistar o passado e apreender o presente, não passa de ilusão, engano. Assim, enquanto escrevo: cada caracter surge numa tela de LED - representando o passado de algum impulso elétrico - através do ativo ritmo com que pressiono as teclas; impulso elétrico, fruto de um processo, acarretamento: longo entendimento de informações debulhadas em aproximados 23 anos - passados.
Há muita pressão; o presente é o mais incerto de todos os parâmetros, o passado é irretocável. Sinto medo de esquecer.


***

Oração

Escrevo por vaidade:
a vaidade raciológica,
há muita vaidade
sensitiva.
Escrevo porque sinto
medo
medo do abandono
sufocamento ideológico,
medo de esquecer.
Escrevo;
meu cérebro não pára
de me contrair.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Reflexão

Questiono tudo, porque sinto incontrolável curiosidade do mundo.
Preciso quase tocar com os olhos, experimentar a tensão de cada ligação atômica; saber cada minúcia - textura, ruído, cor - de cuja matéria é composta.
E sinto. Que outro indicador senão o ego? Se estou indissociavelmente presa à mim? É o meu olhar infantil: crua curiosidade; movimento da livre compreensão de real. Infante, não como crítica, apenas como olhar obscenamente inocente - fanatismo.

Primitivo

É lindo:
o jeito suave
desajeitado;
como ele anda.
Sempre sem jeito.
Singeloimpetuoso;
como contrapor ciano à magenta.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Verborragia

Situação hipotética:
vomitaria
meu cérebro;
dejetos e aflições
por todos
os lados.
Sujaria todo mundo
desse músculo
impreciso.

***

Lucidez

A maior representação de avesso
é estar de ponta cabeça.
O incomodo denota incoerência;
o avesso dói na lucidez;
há muito sangue, pouca prática.
Estar avesso:
é como não caber em si.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Fragmentos

Ele diz:
que meus quadris
são convidativos;
O balançar
do meu vestido
- lânguido;
segue o ritmo
- toc toc -
incessante
ruído do meu salto;
caminho.
- Caminhar;
sempre há pressa,
quando há destino,
horário certo.
Gosto da ideia
descomprometida;
- esmo.
Ele assume:
os teus cabelos;
se não caissem
de forma tão leve,
- zigzag pernicioso -
de tua cabeça;
desconfiaria:
ousada,
avessa arquitetura.
Há muitos porquês;
Envaideço,
quando ele diz:
- É linda;
tua liberdade.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Proposições

"Eu diria que a linha, na maioria das vezes, apenas estimula o vazio"

(Mira Schendel)

A linha é uma necesssidade humana em preencher o que já é cheio.
Uma desconstrução em planos, antiteticamente, constrói um olhar para o novo.
Novo, existência antes despercebida.

Há muita tensão insuflada;
tensão em linhas,
obsessões alineares.

Breve percepção do sentido

Lygia Clark me fez pensar
que nunca me senti feita
de outro material.
Nunca me propus questionar essa composição
essencialmente:
hidrogênio-oxigênio-carbono.
Não me enrolei em filme plástico.
Não me senti retorcida, de metal.
Nunca me vesti de tinta, ou mel, ou flores;
talvez nem mesmo de própria nudez.
Já me grafei letra?
Já me compus música?

Me acabo na sensação
- de que estou muito mais vestida
que preciso.
Já não seria minha pele
paradigma intrasponível suficiente?
Sempre exageradamente envolta
por tecido;
nua em crença.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Quase como saudade

lígia:

o pedaço de céu mais visivelmente azul
[de uma cidade cinzescura
[que dança a vida tropeçando como uma bailarina ébria
[por calçadas em mosaico português augustino
[e na grama duma microcidade acadêmica
[periférica metropolatinamericana;
(co)piloto de uma viagem eternamente noturna
[pelos mares azuescuros enluarados da mente -
minha amiga.
(e eu, um mal poeta)

G.F.
(11/2009)

sábado, 8 de janeiro de 2011

Amor

E como ter fé num amor cuja moral desmoraliza?
O pudor; que me farta, que me falta.
Se é preciso escolhas; a dúvida é uma decisão deliciosa.

" Engraçadinha teve um dos sonhos mais exasperantes de sua vida. Via o interior de uma igreja, de belos santos seminus; nos altares o sono dos círios. Duas noivas ajoelhadas. No sonho, Engraçadinha exclama: "Sou eu!" Era, sim, uma das noivas; e a outra: - Letícia. A voz de um invisível padre estava perguntando se ela queria mesmo ser esposa de... No próprio sonho, Engraçadinha fazia espanto: - "Mulher já pode ser esposa de mulher?" Coisa curiosa! Ela observava a possibilidade com um espanto divertido, mas sem horror. Horror nenhum. E, subitamente, Sílvio apareceu no lugar de Letícia. Em seguida, já não era mais Sílvio e sim o ginecologista. De joelhos, Engraçadinha virou-se para ver os santos seminus, realmente lindos" (p. 149; cap. 25)

" - O senhor acha que uma mulher pode gostar de mais de um ao mesmo tempo? Acha?
Dr. Bergamini não sabe o que responder. Aprendera, em 20 anos de ginecologia, que a mulher normal, equlibrada, é capaz de amar dois, três, quatro ao mesmo tempo. O amor múltiplo é uma exigência sadia de sua carne e de sua alma. A exclusividade que ela dá, e que o homem exige, representa um equívoco ou, pior: - um aviltamento progressivo e fatal. Cada minuto de fidelidade significa assim um novo desgaste. Há tão pouco amor por isso mesmo: - porque o degradam com deveres, com obrigações. Como dever, como obrigação, a fidelidade é uma virtude vil. Com uma vergonha mesclada de asco, ele responde:
- A mulher só deve amar um de cada vez.
Ao mesmo tempo que dizia isso, teve ódio de si mesmo e da própria covardia. Gostaria de responder, aos berros: "Ame. A mulher séria é a que ama. Enquanto não ama, ela não é nada. A mulher que não ama acaba apodrecendo". Diria ainda: - "Não amar é apodrecer". Era o que tinha aprendido na sua clínica ginecológica. Até aquela data, não encontrara um câncer feminino que não tivesse sua origem na pura e simples falta de amor. Mas como poderia atirar essas verdades eternas e brutais a uma adolescênte que começava a amar? Fazia abortos, desafiando a ética da classe; era considerado um bandido da especialidade; mas não tinha coragem de aconselhar uma cliente casada: "Não ama seu marido? Pois ame alguém e já. Não perca tempo, minha senhora"." (p. 161; cap. 28)

(RODRIGUES, Nelson; in Asfalto Selvagem - Engraçadinha, seus pecados e seus amores - 2008, Editora Agir/ Ediouro)

domingo, 2 de janeiro de 2011

Domingo

Há muitos clichês de ano novo; acho graça. Mas como os inícios são mal vistos se expressados pela perspectiva da crítica, bem, tenho pensado e sentido muitos detalhes. Foi uma passagem de sexta para sábado, cuja contagem de tempo estabelecida me faz crer que hoje já seja domingo, sempre acreditei que os domingos fossem um grande clichê, talvez um momento de tédio que prenuncia o retorno à rotina, mas hoje sinto o domingo como uma transição precisa, muito mais precisa que a passagem de uma sexta-feira 31 de dezembro a um sábado, primeiro de janeiro. Pelo simples fato de que o domingo reverbera um recomeço recorrente, ao qual não posso escapar, a cada contagem de seis dias.
Sobre o sábado, os comentários permanecem ácidos, as risadas sendo compartilhadas com cumplicidade, tudo como há de ser numa reunião em família - como tantos domingos. Mas confesso, senti uma fé peculiar, sinto um orgulho peculiar, sinto uma esperança peculiar e ingênua; sinto um concreto, emocionante rito de passagem, foi meu primeiro dia de janeiro e - no alge de meus 23 anos de práxis brasileira - vi uma mulher subir a rampa do Palácio do Planalto; saborosa satisfação que nunca tive ao ler os cadernos de história. Acredito no encadeamento: a ideologia concentra-se nas sinapses, convicções nos músculos; e o movimento de rotação da Terra concluí que, após findo regime ditatorial, 25 anos mais tarde, Dilma Rousseff passa em revista às tropas. Ironias à parte, há muita simbologia num salto alto, ainda mais nos dela.