sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Sobre amanhecer

Não entendo porque essa necessidade incessante de dialogar ao amanhecer, parece-me que as pessoas acordam desesperadas por quebrar o jejum do silêncio estabelecido durante as horas de sono. Dizer que tal prática me causa irritabilidade seria extremo, mas prezo o silêncio; quando acordo estou em embate comigo mesma, todos os dias. Porque, todos os dias, é preciso reencontrar minhas crenças, é como se passar muitas horas sobre o domínio elétrico-impulsivo subconsciente dissolvesse a desordem de meus pensamentos, é preciso reorganizá-los, ou mesmo, como se, ao acordar, todas as ideias que rodearam minha massa cinzenta ao longo da noite estivessem prontas para me sufocar, explodem, como um grande cogumelo, sem nem ao menos respeitar os minutos necessários para que me cérebro obtenha merecida oxigenação. É o embate diário, eu e todo o acúmulo.
Então caminho, o movimento nada mais é que ato de desequilíbrio, porque cada metro de asfalto faz com que eu e convença de todas as mentiras com que terei de compactuar, ou mesmo proferir, ao longo de um dia.
E todos os dias, pela manhã, é preciso correr, para sentir a fluidez do músculo. Correr, não de mim, mas do mundo; como num exercício, em que o asfalto friccionado por meus pés é diretamente proporcional à velocidade com que assimilo essas experimentações de cidade, essa falta de fé; tempo, espaço, pessoa.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Vivacidade

Azul

Você ri, e eu sinto um prazer imenso proporcionado pela vertigem da sua risada. Tropeço nalguma hipnose desse turbilhão de lembranças resgatado por esse ritmo desordenado - você criança - ria tão dócilmente, escondendo as maçãs do rosto entre as palmas das mãos, quase como acanhamento.
Lembro você tão menino, lembro do dia em que soube da sua existência, da floricultura na maternidade; a infância, os finais de ano na praia, os domingos em família em que você ligava, com certa ansiedade, perguntando se lhe faria companhia.
Hoje estamos nesse banco, muitas coisas mudaram, é noite de natal; nossas conversas me surpreendem, adimiro sua maturidade; e suas ambições me soam tão saudáveis, assim como a simplicidade das mesmas ambições expressam tamanha lucidez, sinto orgulho.
E eu vejo seus dezessete anos, tão seguros, cheios de planos e convicções; alto, forte, belo, tão homem em formação; e a imagem acústica ainda remete àquele garotinho esguio, cujo olhar deslumbrado era desviado à imensidão azul, seguindo o duvidoso movimento colirido das pipas. Seus olhos, sempre tão expressivos, observadores minuciosos, seus grandes olhos oscilantes: azul ou verde? Não importa, o sensível é que são vastos, persuasivos, assim como sua saborosa gargalhada tendenciosa, furtiva e multifacetada.
Então associei o quão é proporcional o amor que sinto por nosso passado, nossa convivência, o amor que sinto pela intervenção do acaso, esse acidente genético e/ou geográfico que nos fez dividir e construir tanto com tanta naturalidade; assim como o amor que sinto pela liberdade da sua risada, que nada mais representa além de você. Impressionante, como me contamina sua vivacidade.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Caetaneando

Acrilírico
(Caetano Veloso e Rogério Duprat)

Olhar colírico
Lirios plásticos do campo e do contracampo
Telástico cinemascope teu sorriso tudo isso
Tudo ido e lido e lindo e vindo do vivido
Na minha adolescidade
Idade de pedra e paz

Teu sorriso quieto no meu canto

Ainda canto o ido o tido o dito
O dado o consumido
O consumado
Ato
Do amor morto motor da saudade

Diluído na grandicidade
Idade de pedra ainda
canto quieto o que conheço
Quero o que não mereço
O começo
Quero canto de vinda
Divindade do duro totem futuro total
Tal qual quero canto
Por enquanto apenas mino o campo ver-te
Acre e lírico o sorvete
Acrilíco Santo Amargo da Putrificação

sábado, 18 de dezembro de 2010

Sobre interrupções

- Interrupção;
é uma boa palavra.
- Não me agrada a fonética.
Mas,
- a tua voz;
quando me cala
(evoca meus gemidos)
- saio de órbita.
É como mergulhar
num transe
dum flerte;
um flerte
sinestésico:
tua pele
teu cabelo
teus olhos
...
Como num poema
- surrealista.
A sensação:
Efêmero,
com beleza
displicente:
efemeridade;
Você me consome;
Desejo.
A tensão emana
- pulso, impulso;
impetuoso
dos corpos.
Veemente
afável
- sem desespero.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Sobre

Sobre Lívia

Ela;
Sempre equilibrada;
madura,
lacônica
- em sua medida.
E eu, como falava,
descompassadamente;
Como se pudesse temer a cumplicidade,
que o silêncio desnuda.

***

Lívia, sempre observadora,
me fez recordações:
- o silêncio sempre me incomodou,
e muito.

Analogias:
Aprendi - com uma garota de quatorze anos,
que o amor não é uma constante,
que a felicidade - como a tristeza;
não é uma constante;
que o amadurecimento não é linear,
e a linearidade não é humana.
As cobranças e as crenças
talvez não compreendam austeridade,
porque os erros são parte de um processo
que humaniza.
E assumo tamanha presunção,
porque Lívia me sabe,
a ponto de tornar detalhes supérfluos;
O silêncio, o pranto, o riso.
A gente fala,
a gente cala,
chora e ri,
em silêncio,
- alegria e paz.
Intimidade.

(E é sempre complexo externar quem representa tanto,
talvez a grande tolice esteja
- de fato;
nessa pretensão humana em tentar explicar Amor.)


Sobre Felipe

Felipe e as conversas cíclicas,
sempre tão doces,
é a sensação;
- cumplicidade.
Eu falo Cortázar,
ele, Saramago;
ou não;
é como se a gente se interasse
pela liberdade da escolha;
a gente se enjoa, a gente se une,
a gente se divide e se permuta
Não se faz necessária estabilidade;
e ele diz que gosta,
que gosta de mim,
assim:
como sempre gostou.
Eu sorrio daqui.
Ele sorri dalí .
Seus trocadilhos me encantam.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Outra breve reflexão

Sobre a vida

Tudo que existe é vida. Nada que existe é morte.
Se a morte é o evento que conclui a vida, na verdade, o fascínio não está na morte, assim como a impotência - ou mesmo o medo - não estão na morte, porque em si, a morte nem ao menos existe senão como nome, efeito linguístico.
A ideia de morte corrobora a vida que se esvai, gradativamente; portanto, o que temos é sempre vida e, por fim, ausência de vida. Consequentemente, o deslumbramento está em como a vida é fugaz, em como somos perecíveis, em como o momento entre estar e não estar é impreciso, em como a vida é um evento que nos valida de forma tão plena e, concomitantemente, nos é tão impalpável. O grande deslumbramento é a fragilidade, justamente o que torna a vida um espetáculo, dado equilíbrio absurdamente delicado. Um espetáculo afirmado pela beleza dialética do tênue limiar entre transbordar e esvaziar, que - no fundo - são afirmados pela mesma força que nos dá e nos retira movimento, força sobre a qual estamos todos sujeitos, mas não temos domínio, senão estático; arbitrariedades.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Uma breve reflexão

Sobre a morte

A cultura ocidental alimenta um viés muito cruel com relação à morte, nem parece que é a morte a máxima da vida. E, tudo que é orgânico - impreterivelmente - será comtemplado por esse ciclo, dialeticamente. Sendo o carbono de que nos fartamos, devolvido ao mundo com tamanha naturalidade; causa deslumbramento.
Pra quem vai, a completude de um ciclo; pra quem fica, a transição, e um recomeço.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Sobre despedidas

Sobre Pá

Não, as pessoas não morrem, eu sei;
eu sinto,
estou tão empregnada de você,
como concluir que não existe?
Se está absolutamente certo
que te amo tanto
se cada gesto, cada detalhe do seu comportamento
está de alguma forma refletido em mim.
Não, as pessoas não morrem,
definitivamente.
E essa ideia me soa medíocre
- como num limite;
As pessoas estão eternizadas - em mim,
pelo amor que de mim projeto a elas.
Porque meus pensamentos jamais me deixam sozinha;
e eu poderia imaginar sua reação à minha prepotência,
agora mesmo,
naquela mesa de jantar na qual nos sentamos tantas
e repetidas vezes
- ao longo de anos.
Porque sinto que te conheço há tanto;
há mais tempo do que a mim mesma.
Eu sei, faz algum tempo,
não sei ao certo quando,
perdemos o diálogo,
- entretanto,
nesse jogo mudo;
o amor jamais cala.
Sinto paz, aquela mesma paz,
de quando você chegava em casa
- em geral, ao fim da tarde;
e sentava-se àquela mesma mesa
- aquela que vejo hoje, cheia de cadeiras;
e eu corria, sentava-me ao seu colo,
para que você dividisse comigo o seu jantar.
Definitivamente,
o Amor jamais cala, e você continua
- em todas as cadeiras -
nas quais me acomodo para existir;
Confortavelmente.