terça-feira, 24 de março de 2015

8 de março

Se ela gosta de flores
que goste
se é feminina
que seja
E saiba
90 mil mulheres morreram
nas últimas 3 décadas
vítimas de violência
no Brasil do feminicídio
Nos ensinam a competir
sai dessa, flor
A bermuda dela é ótima
o saião também
a nudez tanto quanto
E saiba
das grevistas carbonizadas
na NY de 1857
das negras precarizadas
das combatentes curdas
das escravas sexuais do EI
das clandestinas que abortam
das encarceradas e mortas
pelo Estado de desigualdade social
A rua é território de batalha
o trem é território de batalha
o escritório a fábrica a casa
o corpo
que é violado
mas não deveria
Tira esse peso
a culpa não é sua
não é minha
não é nossa
não cala
nega sempre que preciso
mas não nega sua sexualidade
mas não nega seu desejo
entorpecente
bebe cheira fuma goza
existimos.
Se te chamarem louca
vem cá, eles não entenderam
nada.

São Paulo - 2013

A gente se perde
entre esquinas
de urina e pó
O mercado
voraz
de corpos
diluídos
na rua gal jardim
sem face
a carne é negociável
Peguei um cigarro, como todos outros dias e desci escadas, agora outras, sempre escadas. A cabeça fervilhante - a cidade acelerada - apenas um cigarro, os olhos do porteiro seguem, o esforço em ignorar me vence.
Só um cigarro.
Um tiozinho, grisalho, branco - daqueles que coloca a camisa pólo dentro do jeans, usa cinto de couro como os sapatos - que tédio - pateticamente alinhado, cabelos todos os dias curvados ao mesmo lado.
Pediu licença e iniciou seu discurso tedioso.
Nalguns dias não há reação, é como se nada acontecesse. Nada. Sinto uma inundação que ecoa
nada. nada. nada.
Não escolhi, não é opção essa combinação duplo X, esse gene inteiro que me supõe objeto frágil.
Objetivamente objetificadas.
"Você é muito bonita" ou qualquer coisa vociferada por desconhecidos mais de uma vez hoje ou ontem ou anteontem em qualquer trajeto entre a porta do condomínio e a rotina.
Mas que inferno, quando a gente não tem graça nem pra debochar e chora nos degraus tediosos.
Chorei, como quem ainda paga a dívida do Éden.
(nov/2014)

Me levou o melhor livro de poesia de Gullar

Foi quando ele disse
quero você pra mim
infeliz
fez meu cérebro
todo fragmento
sem movimento
ecoar cada homem
você pra mim
simulacro
pra mim
sem passado
sem pecado
sem escolha
pra mim
nula
infeliz
você
à mim
enterrou o desejo
num momento

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Não entendo
Como senti tanto medo
da loucura próxima?
Se essa é em si
adjetivo feminino
desde o nascimento?

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

De papel passado

Joguei tudo fora
tudo papel na sacola
os amores as fugas 
ansiedades
joguei tudo fora
tudo que fora
liberdade?
confusão, menina
e agora?
que encarar
sem revolver 
olhar atrás?
tudo bem, mulher.
ninguém vive
de remoer passado
era tanto nome
era tanto medo
respira
aquieta
não precisa pensar mais

Terapiti

O Sol mancha
o céu
distorcido
vermelho
os prédios
nunca
menos desconfiados.
As narinas
incômodas de pó
Alerta:
não há escape
que insista
por uma vida.
Os cigarros
queimam
lentos
como o dia.
A gente
toda marcha
alimenta engrenagens.
Olhos fundos que fogem.
Pés que não precisam mais.
Sente o doce
das veias incandescentes
a cidade indiferença.