terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Lacuna

A sociedade é muito cruel com quem tem urgência para amar.
E onde vão parar todas as canetas, no exato momento em que necessitamos delas? Marcar papéis à tinta soa como leve obsessão; é mais fascinante quando não há linhas, talvez uma pequena porcentagem da população prefira traçar livremente, caracóis amorfos perdidos sobre a fibra, geralmente branca; creio: grande parte das pessoas tem mesmo predileção por formas circulares; como se denotassem harmonia, ou mesmo plenitude.
Qual será o momento em que a plenitude toca o amor, que toca a obsessão, que toca a linearidade na superfície branca grafada à tinta? Parece comum almejar alguma medida, alguma exatidão; quase sempre é cobrada uma resposta, rápida-surpreendente-linearmente-exata, como se você tivesse mesmo que embasar as escolhas através da equação que descreve o movimento de rotação de sólidos; representando - pela lucidez - grande distorção. Comportamento cruel, as coisas não podem acontecer? Pela displicência que justifica que aconteçam? Apreciar o processo de aleatoriedade, a ambiguidade como mágica; como tudo pode ser tanto como não. A decepção pode ser a morte da imaginação, uma opção por não apreciar as formas e como elas saem da caneta, quase como se já tivessem nascido ali, há muito mais tempo do que somos capazes de vê-las. Como se desejassem nudez, a mesma nudez de que acredito que todos deveríamos estar vestidos, ou despidos. O truncamento deve estar no receio em refletir sobre a nova proposta que se põe, o medo do novo, da desestruturação das verdades certas que acompanha a reflexão. E depois de um tempo você já pega o telefone sem nem ao menos se preocupar que número discar, e as canetas servem apenas para que não esqueçamos o quanto são desinteressantes aqueles números gritando nossa mecanicidade. E por que não fugir aos papéis; antes que nossa crueldade linear - e linearidade cruel - nos convença de que somos estéreis?

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