terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Pouco mais; sobre janelas

Impressionante como as cinzas plainam ao cair pela janela do nono andar e como é impreciso imaginar o lugar exato em que elas tocam o chão; já as gotas caem, impossível dimensionar de qual andar, as gotas caem e dispersam, sempre dando a sensação de que já não chegarão ao chão; mas chegam - pequeninas, sempre chegam - e ouço milhares delas, chovendo aos montes. Linda é a liberdade com que tudo cai, seja da janela, seja daquele viaduto, seja da plenitude azul ou dessa mesa; é como uma hipnose, sim, a gravidade é a grande hipnose, sempre devolvendo os corpos ao chão, sempre recordando-os da necessidade por curvar-se ao centro.
Altura; aliás, a altura é um evento deslumbrante, assim como a curiosidade; e a interação entre as duas coisas chega a desestruturar; a desestruturar o medo. O medo da velocidade, o medo do movimento, o medo da altura; é a curiosidade que faz com que as gotas se joguem e esqueçam a consequência de tocar o chão, a mesma curiosidade faz ignorar qualquer preservação instintiva e querer correr cada vez mais velozmente a fim de transpor qualquer matéria. A curiosidade que nos faz mudança; a curiosidade que nos faz sentir vida.
Me pergunto se aquelas cinzas, ou aquelas gotas tremem ao serem lançadas, se de fato elas são dominadas por algum senso de preservação ou se apenas caem; umas levemente, voando metros, talvez quilômetros; outras espatifam, dominadas pela gravidade, desesperadas por encontrar alguma fissura para poder chegar ao miolo terrestre; se sentem medo, sim, o medo, o medo que nos mantêm desse lado da janela, o medo que nos mantêm atrás da mesa, com essa sensação dúbia de conforto, mesma sensação que alimenta esse tédio visceral. Tédio por estar sempre protegido pelas mesmas construções sólidas: as mesmas paredes, a mesma cadeira, e tocar essa mesma boca que projeta todo dia os mesmos medos.

2 comentários:

  1. a gota é uma metáfora, e voltar ao centro nem sempre é necessário, às vezes estar a margem, como um pingo que se desprendeu de seus companheiros, talvez nos tire a certeza de que a solidez seja o nosso objetivo.

    lindo post, lígia.

    bessos

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