domingo, 23 de janeiro de 2011

Sobre asfalto

A medida que caminho, é como se meu cérebro assimilasse o mundo, como se ele fosse levado a raciocinar a cada vez que meus pés entram em atrito com esse chão que piso - piso, creio, com certa brutalidade, a brutalidade do despertar matinal; esse asfalto, que definiticamente não é o mesmo de ontem. E a velocidade com que determino as passadas é diretamente proporcional à sensação do alívio de desconcerto, a brisa acaricia, as pernas punem - prazeirozamente.
O asfalto já pisado ontem, íntimo, deixado para trás - tido como passado -, complacente: não é preciso temer ou ansiar pelo desconhecido; a escolha por andar pelo mesmo quilometro demonstra processo construtivo, há familiaridade com aquele chão que confunde, aquele chão que estimula a sensação de estabilidade, mas em verdade, é sempre um pouco mais solidificado na mesma medida em que é modificado - quase imperceptível - rotineiramente.
Tempo e espaço - passado, presente, futuro - cordiais ao sujeito; partamos do princípio de que o passado é o asfalto pressionado, que me impulsiona para o techo seguinte, este, futuro; mas, e o presente? O presente é intocável, o presente é utópico; não existe o asfalto que estou pressionando, simplismente porque passou, e existe apenas o que pressionei, o que acabei de pressionar e o que está além, ávido por ser pressionado; e se permaneço no mesmo perímetro para tentar despistar o passado e apreender o presente, não passa de ilusão, engano. Assim, enquanto escrevo: cada caracter surge numa tela de LED - representando o passado de algum impulso elétrico - através do ativo ritmo com que pressiono as teclas; impulso elétrico, fruto de um processo, acarretamento: longo entendimento de informações debulhadas em aproximados 23 anos - passados.
Há muita pressão; o presente é o mais incerto de todos os parâmetros, o passado é irretocável. Sinto medo de esquecer.


***

Oração

Escrevo por vaidade:
a vaidade raciológica,
há muita vaidade
sensitiva.
Escrevo porque sinto
medo
medo do abandono
sufocamento ideológico,
medo de esquecer.
Escrevo;
meu cérebro não pára
de me contrair.

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