quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Hoje

Desperto - quase nove - depois de longa noite de insônia; interessante como ela sempre se acomoda em minha casa com intrusa intimidade, me fazendo companhia por janeiro. Abro o armário, procuro um livro exato, folhieo - em desordem. Desordem permitida pela mesma desordem que permeia a criação em prosa poética do autor, há muita liberdade nas matrizes imagéticas. Impressionante, é Cortázar - me inunda paixão, as palavras que tomo, me tomam, agora são minhas - havia quase me esquecido de como nossos diálogos exasperam. Acredito; há muito fanatismo no processo criativo; realismo fantástico.

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O esmagamento das gotas

Eu não sei, olhe, é terrível como chove. Chove o tempo todo, lá fora fechado e cinza, aqui contra a sacada com gotões coalhados e duros que fazem plaf e se emagam como bofetadas um atrás do outro, que tédio. Agora aparece a gotinha no alto da esquadria da janela, fica tremelicando contra o céu que esmigalha em mil brilhos apagados, vai crescendo e balouça, já vai cair e não cai, não cai ainda. Está segura com todas as unhas, não quer cair e se vê que ela agarra com os dentes enquanto lhe cresce a barriga, já é uma gotona que pende majestosa e de repente zup, lá vai ela, plaf, desmanchada, nada, uma viscosidade no mármore.
Mas há as que se suicidam e logo se entregam, brotam na esquadria e de lá mesmo se jogam, parece-me ver a vibração do salto, suas perninhas deprendendo-se e o grito que as embriaga nesse nada do cair e aniquilar-se. Tristes gotas, redondas inocentes gotas. Adeus gotas. Adeus.

(CORTÁZAR, Julio; in HIstórias de cronópios e de famas ; p. 85 - 1964; Editora José Olympio - tradução: Gloria Rodríguez)

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