quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Sobre passado

18/11/2010

Estive caminhando pela manhã e como em tantos outros dias, me veio à mente a lembrança de Artur.
Não, há tempos não tenho sua presença aleatoriamente a entremear meus pensamentos, mas hoje em meus nove quilômetros de deleite raciológico - entre sorrisos provocados por Baden Powell e risadas por lembranças de uma das tantas noites sujas acompanhadas por Frederico - bom, sem delongas, lembrei Artur porque algo fez sentido.
Há um lugar estrategicamente projetado no parque, em que um Ipê de flores amarelas foi posto exatamente ao lado de um Jacarandá-mimoso de flores roxas - como num beijo, inconsequentemente - há um período no outono em que ambos floram; impressionante como as coisas acontecem da forma como tem de ser, a gravidade leva as flores ao chão e como num mosaico, a força gerada pelo momento em que as cores se tocam é um convite ao delírio.
Lembrei Artur porque - entre tantos outras discussões telefônicas a que nos demos durante dois anos - quis por um período fazer listras roxas e amarelas em uma das quatro paredes do meu antigo quarto e ele me disse que roxo e amarelo simbolizaria morte, a ideia de morte me chocou naquela noite, mais ainda a falta de sensibilidade à que fui exposta, assim como noutra vez, ele negou uma conclusão minha de que há possibilidade em traspor psicodelia através da composição entre apenas duas cores: preto e branco.
A psicodelia, ao meu ver, é um complexo flerte de sugestões e formas, obviamente possibilitada pela interação entre a presença e a ausência, a soma do tudo e a abstração do nada. A psicodelia é como um ato de permissão adotado pelo sujeito. É uma riqueza de ambivalências, quase tal como o luxo da dúvida, o prazer dos detalhes, dado o sabor da pormenorização.
Então - hoje pela manhã, ao lembrar tais casualidades - senti exatamente Caetano "cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é" e sorri, com a mesma naturalidade com que o faço todos os dias, porque sorrir é um ato que começa nos pés, agita cada molécula de água do corpo, aquecendo - e, como numa explosão - eclode na face, ingênua e incontrolavelmente, como luz, a mesma luz de que dependemos para tatear cores.
Com toda sinceridade do mundo, desejei que Artur tenha amadurecido a sinestesia precisa à arte.

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