quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Sobre poltronas

Numa quinta-feira comum; um envenenamento verborrágico

Estava lendo sobre a história do carnaval do Rio de Janeiro – um deleite; quando fui tomada pela curiosidade em um diálogo; eles falavam sobre um artigo de jornal – sim, mais uma vez, jornais – o jornalista questionava a questão da moralidade do sujeito em meio às necessidades postas e afloradas através de seu processo de amadurecimento e sobre a impossibilidade em assumir postura estática diante das situações nesse viés construtivo. Mas, ao ouvir secundariamente tal diálogo, o que realmente me despertou - a ponto de me retirar da órbita estabelecida pela rotina, foi ter escutado um nome: Clarice Lispector.
Sim, aparentemente, o comunicador iniciou seu discurso citando uma entrevista de Clarice, em que ela afirma não ter feito concessões. Bom, naturalmente, todos nós fazemos concessões, é o princípio imanente ao convívio social, tendo em vista a instintiva postura do homem como transeunte no mundo, afinal, como ser, sendo estático? Não há locus à inflexibilidade, de forma que a vida é uma constante assimilação de realidades que nos leva ao movimento da reflexão.
Para meu maior espanto, o jornalista toca a moral; em sua linha raciológica, incita a contraposição entre a manutenção da coerência pela linearidade da postura – ética, e a flexibilização do indivíduo que em face do cotidiano, pondera as escolhas e as estabelece - postura que fere o censo moralidade.
Dois pontos me chocaram ainda mais: 1. Todo esse discurso foi desencadeado por conta de uma sensaboria a qual a mídia tem dado atenção, questão a qual não vou ater-me, veja com seus próprios olhos, de antemão, informo que é acerca do autor de uma biografia sobre Clarice, não a li, mas soube que vendeu muito. 2. Agora, um convite a uma reflexão mais profunda e claramente preocupante: nossa sociedade ainda está na velha crise do sujeito que não é capaz de se assumir ou se afirmar em relação ao mundo, amoral é ainda ater-se à dúvida quanto à moralidade.
Chegamos ao ápice da afirmação do indivíduo, o sujeito dono de suas ações, cheio de autoafirmações, capaz de construir e desconstruir com as próprias mãos, e então vemos a grande falha. O ponto é que afirmamos o ego de maneira exacerbada, mas nos traímos, à medida que permanecemos vítimas das instituições, da sociedade como instituição do preconceito, da ordem, da fé, fruto de um concesso quanto ao estabelecimento de padrões de justiça; polarizamos as dualidades, estamos sob o julgamento quanto ao certo e o errado,o bem e o mal, o bom e o mau, quando, obviamente, não há como dimensionar o estreito espaço em que tais acepções se tocam.
Me volto ao indivíduo, não entendo, essa postura resignada me frustra, quando o homem vai passar à ação e deixar se sentir atuante no mundo à perspectiva de ler jornais? Ainda estamos patinando no patamar de não conseguirmos nos enxergar no mundo. O leitor que se ilude com qualquer ideia desgastada; não sou capaz de assumir esse indivíduo que se deslumbra ao descobrir algo que deveria ser inferido, o sujeito-número que é incapaz de dimensionar-se como integrante e responsável por cada milímetro do processo pelo qual evolui a humanidade, incapaz da mesma maneira em refletir sobre sua condição ambivalente, como homem.
Deve ser tudo fruto da minha imaginação ou da minha cruel ingenuidade, e não confundam minha crítica com vileza, quando o sujeito de que falo, é obviamente o letrado, o leitor do jornal, eu, você, o jornalista, o sujeito que acorda e vai até a caixa de correios com avidez, em busca de seu guia, ou o que aguarda apreensivo pelo barulho da motocicleta para poder degustar seu café e iniciar o ritual de passar a geleia no pão.
Então me pergunto: o que está agora, fazendo o intelectual? Passivo, lendo jornais para ter a ilusão de participação no mundo, na esperança de que os papéis lhe deem a fórmula? O ensinem a beber, comer, vestir? Pensar? Estão todos assistindo mais TV, usufruindo mais da tecnologia? Consumindo mais seriados, novelas, revistas, estilos, fé? Buscando desesperadamente uma forma de consumir sua solidão que está perdida no ego? Esse mesmo ego que o trai pelo fato de não permitir a reflexão sobre si, esse ego que legitima a instituição que promoverá a crise do sujeito.
O grande problema deve ser o conforto proporcionado pelas poltronas.
Ao chegar em casa hoje, avistei uma placa que indicava que o elevador estava em manutenção, então pensei: por que não fiz escolhas mais simples? Deveria ter alugado um apartamento no primeiro andar, subir nove andares me cansa.
Se a negação da moralidade está em negar as reflexões, prefiro a perspectiva de manter a fantasia da coerência, não fazendo concessões.
Voltando a Clarice, nunca imaginei que uma declaração tão linda pudesse desencadear tamanha verborragia ignóbil, é tão difícil assim assimilar que ela não cedia pelo simples fato de que era uma literata e não uma comunicadora? Na entrevista, ela apenas respondeu gentil e pacientemente, às indecências a que foi exposta.
Por fim, sinto enjoo, realmente, estômago sensível, talvez eu devesse buscar alguma revista sobre nutrição, dietética e saúde, algum caderno sobre bem-estar no bloco do veículo comunicador diário, para me prevenir quanto ao que devo ingerir, a fim de digerir melhor essas indelicadezas.

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